domingo, 12 de novembro de 2017

Quando as empresas são mais poderosas que os países

Imagine uma companhia com a influência do Google, do Facebook ou da Amazon. E que ainda recebe do Estado o monopólio do comércio com uma zona geográfica. Também pode cobrar impostos, assinar acordos comerciais, prender criminosos e declarar guerras. Esses eram alguns dos poderes e atribuições da Companhia Holandesa das Índias Orientais, criada no século XV por empresários com apoio do Governo dos Países Baixos para comercializar com a Ásia. Foi a primeira corporação transnacional que emitiu bônus e ações no mercado para financiar seu crescimento, um notório precedente que, séculos depois, chegou às multinacionais modernas. Os novos gigantes empresariais não contam com os excepcionais privilégios da histórica companhia holandesa, mas sua receita e seu valor na Bolsa superam o PIB de dezenas de países.

Hoje, a concentração de poder é especialmente clara no setor tecnológico. As cinco grandes – Apple, Google, Microsoft, Facebook e Amazon – são as mais valiosas da Bolsa. Sua capitalização oscila entre os 500 bilhões de dólares (1,6 trilhão de reais) do Facebook e os 850 bilhões de dólares (2,7 trilhões) da Apple. Com esse critério – um tanto volátil, mas indicador do potencial de uma empresa –, se a Apple fosse um país, teria um tamanho similar ao da economia turca, holandesa ou suíça. O Vale do Silício, além disso, tem uma presença considerável nos novos negócios: o Google abocanha 88% da fatia de mercado de publicidade on-line. O Facebook (incluindo Instagram, Messenger e WhatsApp) controla mais de 70% das redes sociais em celulares. A Amazon tem 70% da fatia de mercado dos livros eletrônicos e, nos Estados Unidos, absorve 50% do dinheiro gasto em comércio eletrônico.

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69 das 100 principais entidades econômicas do mundo são empresas e só 31 são países
As companhias das Índias (britânicos e franceses também tiveram as suas durante o período colonial) foram um reflexo de seu tempo, mas seu poder faz lembrar, em certos aspectos, o das grandes corporações atuais. São os novos colonos? A organização não governamental Global Justice Now realiza uma classificação que compara as cifras de negócios das principais empresas com a renda orçamentária dos países. Segundo essa lista, se a rede norte-americana de supermercados Walmart fosse um Estado, ocuparia o décimo posto, atrás dos EUA, China, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália, Brasil e Canadá. No total, 69 das 100 principais entidades econômicas são empresas. As 25 corporações que mais faturam superam o PIB de numerosos países.

Seria ingênuo pensar que o setor privado não influi nas decisões políticas, na elaboração de leis e no dia a dia dos cidadãos. Como esse poder se articula hoje? Moisés Naím afirma em O Fim do Poder (LeYa) que as estruturas estáticas que caracterizavam as grandes empresas há algumas décadas, como as das chamadas Sete Irmãs (conglomerados que controlaram a indústria petroleira entre os anos quarenta e setenta), mudaram. O padrão, que se repetia na maioria dos setores, consistia em “poucas companhias que dominavam seus respectivos mercados e eram tão grandes, ricas, potentes e arraigadas que era impensável prescindir delas.”

O autor, membro do Carnegie Endowment for International Peace, um think tank de Washington, diz que o próprio conceito de poder empresarial é agora mais volátil, flexível e fragmentado. “Criou-se um ambiente em que é mais fácil para os novos – em geral, não só na economia, inclusive os que têm ideias tóxicas – conseguir poder”, afirma Naím. “ExxonMobil, Sony, Carrefour e JPMorgan Chase têm um poder imenso e autonomia, mas seus líderes estão mais limitados agora”, completa. Para se adaptar a essa transformação, a humanidade deve “encontrar novas formas de se governar a si mesma.”

O poder hoje é mais competitivo. Reduziram-se as barreiras de entrada: chegam ao topo novas companhias, como a Inditex, e desaparecem clássicos como a Compaq. “É preciso levar em conta o horizonte temporal, porque há 10 anos falávamos do domínio da Microsoft e agora já não”, responde Naím numa entrevista, em referência ao poder do Google e do Facebook. Ele prefere não comparar empresas com países. “Não se mede a capacidade de influir necessariamente pelo faturamento de uma empresa em relação ao PIB de um país, já que a forma do poder empresarial difere da do Estado”, esclarece. Além disso, há novos atores cada vez mais influentes, como as novas firmas de investimento, os fundos especulativos (­hedge funds) e mercados como os dark pools, onde se negocia a compra e venda de ações sem a supervisão das autoridades.

O novo poder ficou mais intangível. “As empresas têm hoje menos ativos fixos e menos funcionários, reflexo de uma nova maneira de produzir, mais voltada aos serviços e ao conhecimento”, afirma Jesús María Valdaliso, professor de História e Instituições Econômicas da Universidade do País Basco e coautor de Historia Económica de la Empresa (história econômica das empresas).

Além disso, hoje os dados são um ativo essencial. Milhões de cidadãos se informam, se relacionam com os amigos e compram na Internet. Vão deixando pelo caminho um rastro de informações que se transformaram no “petróleo da era digital”, segundo a revista The Economist. Esses dados pessoais permitem a elaboração de perfis dos usuários graças aos algoritmos, que podem aprender, em minutos, padrões de comportamento que um ser humano levaria anos para identificar. “Uma das grandes estratégias das empresas de tecnologia é o efeito rede: quanto mais usuários, melhor. Porque as pessoas utilizam o serviço que você presta, por mais entediante que ele seja, se outras também usarem. Afinal, como não estar no Facebook se todos os seus amigos também estão?”, afirma o jornalista Noam Cohen, autor de The Know-It-Alls: The Rise of Silicon Valley as a Political Powerhouse and Social Wrecking Ball (2017) (o sabe-tudo: o auge do Vale do Silício como centro político e bola de demolição social). Poucos escolhem viver à margem das redes sociais.

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