sábado, 16 de setembro de 2017

Que faremos com a Terra? E com quem está sobre ela?

A gritaria é geral na área dos defensores da reforma agrária: o projeto para a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2018, enviado pelo governo federal ao Congresso, promoverá “cortes severos em ações estratégicas para a população do campo, quilombolas e indígenas’’ (Instituto Humanitas Unisinos, 6/9). Estudos de instituições da área apontam queda que pode chegar a 95%, comparados os novos números com os de 2015. O valor destinado à agregação de terras no próximo ano será de R$ 34,2 milhões – quando em 2015 chegou a R$ 800 milhões. Segundo os críticos, essa quantia pode “aumentar o conflito agrário e a violência no campo”, já que pode atingir com rigor programas de assistência técnica, produção de alimentos saudáveis e comercialização de alimentos da agricultura familiar. Do outro lado ouve-se com frequência, como argumento de defesa, a “crise fiscal”.

Há outros argumentos de várias fontes interessadas, como o de que ainda há 170 mil famílias no campo sem habitação, sob lonas pretas em assentamentos, sem crédito para plantar e vender a produção (Folha de S.Paulo, 3/2/2017). Em 12 anos, de 2003 a 2015, nos governos anteriores, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou 678.430 indícios de irregularidades – o que determinou a suspensão em 2016 do Programa de Reforma Agrária. Só com promessas do governo Temer o TCU permitiu a retomada de assentamentos. E agora, com alterações nas leis, o governo promete entregar 750 mil títulos até o ano que vem. A agricultura familiar – dizem as mesmas fontes – responde por cerca de 38% do valor bruto da produção agropecuária; gera 74,4% dos postos de trabalho rurais; e produz perto de 50% dos alimentos da cesta básica.

Mas há também argumentos de outras fontes que apontam para o agronegócio como “dono das terras no Brasil”, já que 53% da malha fundiária é privada no País (Amazônia.org, 20/3/2017). E, nela, 28% são considerados “grandes propriedades”, maiores do que 15 módulos fiscais. Áreas protegidas, incluídas áreas indígenas, somam 27% e os assentamentos, 5%. A Amazônia concentra 98% das áreas de conservação.

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Maximilian Degen 
O ponto polêmico está na informação de que metade da área rural brasileira pertence a 1% das propriedades, de acordo com estudo divulgado no final de 2016 pela ONG britânica Oxfam. E os estabelecimentos com menos de 10 hectares significam 47% do número, embora ocupem menos de 2,3% da área real total de propriedades e produzam mais de 70% dos alimentos consumidos no País, nesta área rural total. Já as grandes propriedades rurais, com mais de mil hectares, detêm 43% do crédito, enquanto 80% dos estabelecimentos menores conseguem de 13% a 23% do total. Por isso defende-se ardorosamente na área dos pequenos uma reforma agrária, com apoio de ONGs nacionais e internacionais. Só nas terras ocupadas por grandes devedores de impostos, segundo o Incra, seria possível assentar quase 215 mil famílias. 729 proprietários de imóveis rurais, por exemplo, declaram ter propriedades com dívidas totais de mais de R$ 50 milhões cada. Pelo lado oposto, os proponentes de uma reforma agrária desconcentradora pedem também um redirecionamento do crédito rural, pois mais de 400 propriedades com dívidas de mais de R$ 50 milhões cada devem um total de R$ 200 bilhões. E a Medida Provisória 733 permitiu que produtores rurais declarassem possuir 407 imóveis rurais com dívida de R$ 200 bilhões. Eles poderão, por medida provisória, liquidar o saldo devedor com bônus entre 60% e 95%. O imposto territorial rural respondeu por apenas 0,0887% da carga tributária em 2014.

Neste quadro, não faltam conflitos. Eles geraram, no ano passado, 50 mortes e 1.217 confrontos, que mataram mais de 2 mil pessoas entre 1964 e 2010 (Comissão Pastoral da Terra). Discute-se, neste ponto, a questão da pobreza rural e da concentração de renda.

Dos 4,4 milhões de estabelecimentos rurais brasileiros, apenas 500 mil responderam por quase 90% do valor produzido (Estado, 12/4/2016); 24 mil entre eles produziram metade desse valor. Em 2,9 milhões de estabelecimentos rurais moram famílias extremamente pobres, que retiram mensalmente, cada uma delas, apenas meio salário mínimo bruto produzido pela agricultura. Vivem graças ao complemento do Bolsa Família. Em 1 milhão de propriedades a renda equivale a um salário mínimo mensal para a média de quatro pessoas. Um quadro extremamente precário, com consequências graves nas áreas de saúde, educação e outras.

Parece evidente para os estudiosos que está reservado ao Brasil um papel exponencial na economia das próximas décadas. Mas que será com o quadro social? Que políticas implantaremos, das quais ainda não se vislumbram vestígios? Será preciso esperar por conflitos graves? Ou seremos capazes de avançar no terreno social e enfrentar também questões complexas que estão à espera, como a degradação de solos (no mundo, 30% deles degradados)? Não faz sentido cruzar os braços e aguardar conflitos imagináveis na área social ou econômica. Ainda lembrando que os mais de 7 bilhões de habitantes humanos poderão chegar a 10 bilhões em 2015.

Um único exemplo demonstra a importância do investimento em infraestruturas básicas no espaço rural. Estudo do Instituto Trata Brasil (11/9) sobre saneamento no Estado de São Paulo indica que para levar água e ligações de sistemas de esgotos a todas as moradias paulistas será preciso investir R$ 26,7 bilhões em 20 anos; mas em duas décadas os ganhos econômicos e sociais do investimento na expansão dos serviços nas diversas áreas chegariam a R$ 64,9 bilhões. Os cálculos concluem que, na média do período (2015 a 2035), a cada R$ 1 mil investidos na expansão da infraestrutura de saneamento, a sociedade terá R$ 2.326,00 de retorno social no prazo maior. Não há dúvida de que o ganho social mais que compensa o investimento.

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