Cabe compreender: a denúncia é, em si, notícia velha. As samambaias do país sabiam que ela viria mais tarde ou mais tarde. Aliás, Janot contava que, até o final do mandato, pudesse enviar três e não duas denúncias. Desgastar a Michel Temer e sua turma com mais método e vagar.
Contudo, por tudo o que tem acontecido em torno no Procurador-Geral — a frustração e o escândalo em torno da delação de Joesley Batista —, o processo não transcorreu como o PGR esperava. Também a tramitação da delação de Lúcio Funaro — o operador do PMDB — parece ter demorado mais do que se supunha. De modo que a denúncia chega fora do timing planejado, o que a torna menos potente e eficaz.
Além disso, a partir da próxima semana, ficará sob os cuidados de uma nova equipe, desvinculada de Rodrigo Janot e ligada a próxima Procuradora-Geral, Raquel Dodge. E independente da disposição da nova direção do MPF, o fato é que haverá uma quebra de ritmo nesse processo — até para que os novos agentes tomem pé da situação — e é natural que a disposição em aquecê-la na mídia também arrefeça.
Agora, com a sociedade resignada, coberta pelo desalento e falta de alternativas, ainda tanto maior será a facilidade da Câmara em deixar tudo como está e até retirar uma ou outra vantagem disto. Janot suspeitava constranger o sistema, mas, a lambança revelada na ''conversa de bêbados'' de Joesley e Saud dá desculpas e dissimulação a quem já não votaria mesmo pela abertura de processo.
O mais provável, portanto, é que o presidente termine seu mandato e que ajuste contas com a Justiça — se vier a ajustar — somente após 1o. de janeiro de 2019.
A efetividade da substituição de Temer é também cada vez mais duvidosa para boa parte do sistema político, mesmo na oposição; a cada dia interessa menos abreviar seu mandato, uma vez que sua hipotética sucessão, a cada hora, torna-se um exercício de imaginação menos real e mais confuso. É justamente o esgotamento do tempo que lhe resta que o torna mais estável.
Como o leitor deve ter notado, não há aqui considerações de mérito e juízos de valor a respeito da denúncia. Não porque inexistam questões dessa natureza, mas porque, de um ponto de vista prático, parecem pouco relevantes. E isto é o mais terrível: um presidente e seu grupo se mantêm no cargo não porque sejam importantes ou inocentes — o que, a rigor, somente a investigação e o julgamento que a Câmara não permitirá é que poderiam demonstrar —, mas apenas porque não valeria mais a pena mexer com ele. A íntima convicção de que não vale a pena. Michel Temer ficará simplesmente porque vai ficando e o tempo logo passará. Em política, às vezes, existe, sim, o vácuo.
Carlos Melo
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