O Brasil vive este momento, pelo qual já passou a Venezuela, que custou a perceber em que tragédia o chavismo a mergulhava. Quando acordou, era tarde. Faltava até papel higiênico.
Ontem, o presidente Temer gravou um vídeo para a internet, em que diz que a semana que se encerra “deixou o Brasil mais leve e mais justo”. Que bom: mas como assim?!
Baixaram os índices de criminalidade? Retomou-se o crescimento – e, com ele, o emprego? Avançou o combate à corrupção? As instituições, a começar pela Presidência, resgataram sua credibilidade? Não: mas o governo liberou o Pis-Pasep para os maiores de 62 anos (mulheres) e de 65 anos (homens).
Mais: o BNDES, submetido a uma CPI no Senado e acusado de ter sido um dos carros-chefes da roubalheira da Era PT, abriu linha de crédito para os pequenos e médios empresários. Eis aí o país “mais leve e mais justo”. Ninguém, claro, se espantou com a boa nova.
Os problemas não surgem de repente. Nélson Rodrigues dizia que o subdesenvolvimento não se improvisa; é fruto de longa e penosa elaboração. Se a criminalidade é hoje o drama maior do país – que possui seis entre as dez cidades mais violentas do mundo, segundo a ONU -, há método e propósito nesse desconcerto.
Ao longo dos governos tucanos e petistas – mais neste que naquele, mas em ambos -, vigeu a tese de que o bandido não é um algoz, mas, inversamente, uma vítima da sociedade. Por falta de oportunidade, é desviado pela própria sociedade para o crime. A culpa, portanto, é da sociedade, pagadora de impostos.
A clientela da Lava Jato, nesse sentido, oferece grande contribuição para desfazer tal equívoco. O crime não só não escolhe classe social, como também não tem ideologia. Tem objetivos – e, no caso brasileiro, pela via da impunidade, acumulou meios.
O certo é que, com base naquela falsa premissa, houve, nesse período, toda uma engenharia social para atenuar a legislação penal, de modo a que, somente em última instância, o criminoso viesse a ser efetivamente penalizado – e, mesmo assim, em termos.
Do sistema progressivo de cumprimento de pena, que permite sua redução (ninguém no Brasil a cumpre por inteiro) à audiência de custódia, que liberta criminosos reincidentes presos em flagrante, ao tempo em que pune policiais, inibindo a ação repressora, chegou-se ao atual estado de guerra, com mais de 60 mil assassinatos anuais (o que não inclui os que morrem fora do local do crime).
A polícia é impotente para sanear o quadro e as Forças Armadas, chamadas a intervir no Rio de Janeiro (que, a rigor, é um microcosmo do país), constatam que não têm meios de ir muito longe, já que os recursos orçamentários disponíveis esgotam-se agora, em setembro. Em síntese, Forças Armadas desarmadas.
O governo federal, provavelmente achando que o país está cada vez “mais leve e mais justo”, cortou nada menos que 35% do orçamento do Ministério da Defesa, que já não era grande coisa.
Intervir sem meios presume fracasso prévio da missão, o que resulta em desmoralização das Forças Armadas. Mais uma vitória do crime organizado, que, nas palavras do ministro da Defesa, Raul Jungmann, “capturou o Estado”.
Ele se referia ao Rio, mas o fenômeno é nacional, abrange os três Poderes e é mais visível e palpável em Brasília.
O presidente Temer, diante de um déficit orçamentário de mais de R$ 150 bilhões, decidiu recorrer às privatizações. A medida é correta e tem, neste momento, amplo apoio social.
Mas não basta. É preciso saber como isso se dará, o tempo disponível e a correlação de forças políticas. Não é apenas a esquerda que não quer as privatizações, mas também o espectro partidário fisiológico resiste. O Estado, afinal, tem sido uma mãe para todos.
A esquerda invoca razões de ordem ideológica, mas a devastação que PT e aliados impuseram às estatais mostra que a inspiração foi bem outra. Nesses termos, e nessas condições, acreditar que o governo Temer, acuado por denúncias e em sobressalto permanente diante da expectativa de novas delações, terá meios de empreender, no prazo que lhe resta, o que está prometendo, exige mais que otimismo: exige fé religiosa.
Em meio a esse ambiente, os políticos discutem as regras eleitorais para 2018, na perspectiva de que as mudanças nada mudem e possam garantir o retorno dos de sempre.
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