Como é que Temer ainda permanece no cargo? Por que ele não caiu até agora? A resposta poderá parecer longa, mas será cristalina.
A esta altura, o presidente não tem popularidade. Uma recente pesquisa do Datafolha mostra que apenas 7% dos brasileiros aprovam seu governo, e eu mesmo não conheço ninguém desses 7%. Temer também não tem legitimidade, o que não é difícil de verificar. Numa democracia, o que confere legitimidade ao mandato de um presidente, um prefeito ou um senador é o voto, e Michel Temer, embora tenha sido votado em 2014, não teve voto para estar onde está e para fazer o que está fazendo.
Explico melhor. Ele foi eleito em 2014 para ser vice-presidente e, nessa condição, conquistou a atribuição legal para substituir a presidente – no caso, claro, de a presidente faltar. Com o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, foi isso que aconteceu. Temer assumiu o cargo, na falta da titular, dentro da legalidade. Mas havia problemas aí, problemas muito sérios, cujos efeitos se fazem sentir até agora. Como o processo de impeachment ficou mal explicado e, portanto, não foi bem entendido pela imensa maioria da população, que não sabe dizer o que é pedalada fiscal ou crime de responsabilidade, ficaram muito obscuras as razões pelas quais Temer passou a ser presidente. Com isso, a legitimidade de Dilma Rousseff, que deveria ser transferida ao seu substituto, acabou se perdendo no caminho. Muita gente começou a chamar Michel Temer de golpista – e o apelido pegou.
A falta de legitimidade do atual presidente se deve, também, a uma segunda razão: o que ele vem fazendo, ao patrocinar a mudança da legislação trabalhista e previdenciária, é o oposto do que prometia o programa de governo com o qual ele e Dilma Rousseff foram eleitos em 2014. É bem verdade que essa inversão começou logo em 2015, com a própria Dilma Rousseff, que adotou uma política econômica oposta àquela que tinha anunciado na campanha eleitoral – e, diante do buraco fiscal, foi a primeira a propor uma reforma da Previdência. Mas, com Temer, a discrepância piorou e a legitimidade se esvaiu ainda mais.
Sem popularidade e sem legitimidade, como todo mundo sabe, fica muito mais penoso governar. Começa a ocorrer, então, a perda de um terceiro componente essencial para um governante, que é sua autoridade política. Essa vira pó, e quem paga é o país. Sem essa autoridade, o presidente precisa suar a camisa para dar ordens até mesmo para o motorista de seu carro oficial. A vida fica mais complicada.
Por fim, surgiu esse ingrediente trágico na agonia de Michel Temer, que são as denúncias de corrupção. Escancaradas como foram, elas vieram retirar do presidente precário o que lhe restava não mais de autoridade ou de legitimidade, mas de respeitabilidade. Sua figura se converteu num fator de constrangimento nacional e internacional.
Pois então: se tudo é assim, por que é que Temer não caiu até agora? As respostas mais frequentes apontam dois motivos para isso. Primeiro, ele contaria com um apoio forte entre deputados e senadores, que obstruiriam qualquer possibilidade de uma ação contra ele (uma investigação criminal ou uma tentativa de impeachment). O que esses parlamentares ganhariam em troca? Há uma hipótese no ar: se Temer vencer a queda de braço contra os que o acusam de corrupção, a Lava Jato sofrerá um revés muito sério – e isso beneficiaria os congressistas que também não querem ser investigados.
O segundo motivo não está no Parlamento, mas no capital. Segundo os analistas, alguns setores do empresariado agiram na surdina para segurar Temer onde está, com a justificativa de que, apesar do déficit de popularidade, de legitimidade, de autoridade e de respeitabilidade, ele pelo menos leva adiante a reforma trabalhista e a reforma da Previdência, o que seria bom, na visão desses empresários, para sanear o mercado.
De acordo com esses setores do mundo empresarial, um presidente, mesmo quando suspeito, pode ser um bom presidente desde que faça as chamadas reformas logo de uma vez. Do mesmo modo que é interessante para os parlamentares que querem enfraquecer as investigações contra a corrupção, Temer seria providencial para os que falam em “modernizar” o mercado. E aqui chegamos, finalmente, à resposta às perguntas com que comecei este artigo: Temer está onde está porque (ainda) é útil a dois interesses poderosos. Ponto final.
No fundo, este tem sido nosso maior problema: acreditar que a ética é um detalhe desejável, mas não uma dimensão obrigatória. Foi assim que Eduardo Cunha ganhou uma sobrevida inacreditável na presidência da Câmara. É assim, também, que vamos para o buraco.
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