sábado, 8 de julho de 2017

Em cena, o Acordão

Em uma gravação que circula na internet, José Dirceu se dirige à militância do PT para garantir que “nós vamos retomar o governo do Brasil”. Diz mais: “O povo está do nosso lado”.

Não explica nem como será essa retomada, nem que povo é esse. Pesquisa do Instituto Paraná mostra algo bem diverso: Lula detentor do maior índice de rejeição entre os possíveis concorrentes (até aqui só ele e Bolsonaro se declaram candidatos): mais de 45%.

No Paraná, que é uma espécie de espelho das regiões Sul-Sudeste, esse índice chega a 58,8%. Nada menos.

Lula continua viajando de jatinho, falando a plateias amestradas e evitando frequentar locais públicos, no temor de ser hostilizado. Não é exatamente o perfil de um favorito.

De qualquer modo, não deixa de surpreender que alguém nas condições de José Dirceu, duplamente condenado – a 20 anos e 10 meses e a 11 anos e 3 meses -, se sinta à vontade para uma conclamação naqueles termos. É tão surpreendente quanto o foi sua liberação pelo STF, mesmo diante da advertência do juiz que o condenou, Sérgio Moro, de que oferece riscos às investigações.

O comportamento padrão de alguém que aguarda recurso em segunda instância a sentenças tão severas – e é réu em diversos outros processos - é o de se recolher à maior discrição possível.

Não sendo o caso – e não o é -, suspeita-se de que algo diferente estaria sendo tramado. O tal acordão.

Ele teria começado exatamente com sua libertação, que, na sequência, providenciou também a do senador Aécio Neves, cujo processo no Conselho de Ética do Senado foi arquivado esta semana.

Pouco antes, o TRF da 4ª Região, que vinha confirmando – e, em alguns casos, até agravando – as sentenças de Moro, decidiu absolver o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.

Para culminar, deu-se na quinta-feira o desmonte da Força Tarefa da Lava Jato pela Polícia Federal.

O chefe da Delegacia Regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado, Igor Romário de Paula, e o superintendente da PF no Paraná, Rosalvo Ferreira Franco, informaram que não houve desmonte algum, que foi apenas uma medida de ordem administrativa, sem cunho político. Claro, claro.

E mais: a decisão não teria passado por Brasília e não teria decorrido da escassez de verbas. “Verbas não faltam”, disse Igor.

Os procuradores garantem o óbvio: que a substituição daqueles delegados por outros alheios às investigações exigirá dos novatos pelo menos seis meses de imersão para que absorvam toda o contencioso da operação. É claro que haverá um refluxo.

Já não se sabe, por exemplo, quando sairá a sentença condenatória de Lula, prometida ainda para este mês. Sabe-se, isto sim, que não será preso em decorrência dela, aguardando em liberdade, como Dirceu, o recurso ao TRF da 4ª Região.

Lula age com desenvoltura ainda maior que a de Dirceu, desafiando o juiz Moro e os procuradores, sustentando que, nas circunstâncias em que vive, “a melhor defesa é o ataque”.

A nova presidente do PT, e também ré na Lava Jato, senadora Gleisi Hoffmann, chegou ao requinte (melhor dizendo, à cara de pau) de encaminhar à Corregedoria Nacional do Ministério Público pedido de investigação contra o procurador Deltan Dallagnol.

O crime? Comercializar palestras sobre a Lava Jato. O detalhe é que a lei permite que o faça, desde que não trate dos processos em curso, o que ele não o fez. Fala sempre – ele, Sérgio Moro e os demais procuradores - sobre o combate à corrupção no país, sua importância e a necessidade de apoio popular, em face dos figurões investigados. Os cachês que recebe têm sido doados a instituições assistenciais, o que ele comprovou, embora não o precisasse, já que a lei o autoriza a embolsá-los.

Gleisi sabe que sua acusação é infundada, mas atende a seu objetivo: provocar suspeitas de parcialidade ou manipulação nas investigações. Sua audácia, como a de Lula, faz crer que se sente respaldada por alguma mão invisível. A mesma que afaga Aécio – e tenta afagar Michel Temer, cuja denúncia será apreciada pela Câmara dos Deputados a partir de segunda-feira.

A semana termina com uma imensa interrogação acerca do futuro do combate à corrupção no país. Não há dúvida de que há uma queda de braço entre Curitiba e Brasília, de onde continua a soar implacável a sentença do ministro Gilmar Mendes: “A Lava Jato já foi longe demais”.

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