quinta-feira, 13 de julho de 2017

A vaca no brejo

O que menos importa na discussão que se inicia agora sobre a admissibilidade ou não da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente não eleito, Michel Temer, por crime de corrupção passiva, é o seu desenlace. Temer já afirmou e reafirmou que não renunciará e que, se depender dele, permanecerá pendurado no poder até o fim, atitude que mantém a economia do País paralisada pelo resto do ano – agonia que, na verdade, poderá se estender até as eleições do ano que vem. Temer sempre foi um político medíocre e, ao deixar a Presidência, tornará à sua insignificância, mas os estragos proporcionados por suas reformas autoritárias e sua pequenez histórica, esses continuarão a reverberar por anos, afetando principalmente as camadas mais pobres da população.


Tivesse dignidade, Temer entregaria já o cargo – não tem, infelizmente. Assim como não têm grandeza os nossos dirigentes políticos. Este deveria ser o momento em que, pondo de lado diferenças ideológicas e interesses mesquinhos, os líderes partidários se propusessem a sentar à mesa para costurar um grande acordo na tentativa de salvar o que ainda resta do país, que vive a pior recessão de sua história, traduzida objetivamente em desemprego e violência, e subjetivamente em desesperança e apatia. Mas fazer o quê?: nossa cultura política medíocre não gerou estadistas e os partidos transformaram-se em agremiações destinadas apenas a organizar a pilhagem dos cofres públicos.

Luiz Inácio Lula da Silva, que em 2010 deixou a Presidência da República com uma popularidade recorde (na época, 87% dos entrevistados aprovavam seu governo), pouco a pouco enterra sua biografia. Embora alguns de seus homens mais próximos tenham sido presos e condenados por corrupção – José Dirceu, Antonio Palocci, João Vaccari Neto – e várias das empresas envolvidas com a Operação Lava Jato tenham se expandido durante seu mandato com generosos aportes de recursos do BNDES – como Odebrecht, EBX e JBS -, Lula finge não ter nada a ver com isso. Durante congresso do PT no mês passado, nenhuma palavra de autocrítica: o partido preferiu saudar Dirceu e Vaccari, “perseguidos injustamente”, como “heróis do povo brasileiro”, e Lula, arrogantemente, se limitou a afirmar que o Brasil nunca precisou tanto do PT como agora, eximindo-se assim de qualquer responsabilidade por esse desastre que somos hoje.

Arrogância que não falta, aliás, a outro ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, que, apesar da pose, não consegue sequer influenciar seu partido, o PSDB, que, sustentando a tradição de ambiguidade interesseira, continua a apoiar “criticamente” Michel Temer – na verdade, como uma hiena, refestela-se com a carcaça de um governo moribundo. E se o PT tem Lula – e só Lula -, os tucanos são muitos e quase todos possuem o bico manchado pela sujeira das denúncias de corrupção: o presidente afastado do partido, senador Aécio Neves; o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin; o ex-ministro José Serra... Correndo por fora, o fanfarrão marqueteiro prefeito de São Paulo, João Doria, que se tornou conhecido nacionalmente por aumentar a velocidade dos carros nas Marginais Tietê e Pinheiros, por priorizar uma guerra contra os grafiteiros e por tentar resolver a questão da Cracolândia na base da violência policial...

Se Lula e Fernando Henrique, que poderiam, em tese, se arvorar como lideranças políticas fortes o suficiente para propor um pacto pelo país, não o fazem, o que esperar então dos outros candidatos à sucessão no ano que vem? A evangélica Marina Silva (Rede) parece apostar na ideia de que quanto menos aparecer melhor, pois assim os eleitores não ficam conhecendo, de antemão, suas opiniões conservadoras e sua retórica vazia de “uma nova forma de fazer política”. A contraparte de Marina é Ciro Gomes (PDT), com seu estilo prepotente de quem tudo entende e sobre tudo opina. Herdeiro de uma família que comanda a região de Sobral, no sertão do Ceará, há mais de um século, Gomes começou sua carreira no PDS, antiga Arena, partido de sustentação da ditadura militar, e foi duas vezes candidato derrotado à Presidência da República, ambas pelo PPS: em 1998, tendo como vice Roberto Freire; e em 2002, com Paulinho da Força. Já o chefe da juventude marombada, Jair Bolsonaro, permanece à parte, com seu discurso fascistóide, secundado por uma militância entusiasmada, crédula, voluntariosa, agressiva e messiânica, que, aliás, lembra muito o ativismo petista em seus primórdios – na ação, não na intenção, evidentemente...

A vaca já está no brejo e, a cada movimento, mais afunda... O brejo é o Brasil, a vaca o Estado, em cujas tetas todos querem mamar. Se nos juntássemos, talvez ainda conseguíssemos preservar a vaca, mas não parece ser isso o que desejamos coletivamente. Morta a vaca, no entanto, é preciso lembrar, só restará o brejo...

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