Os cenários que emergem do trabalho são tenebrosos e se a eles se agregar a situação de estados e municípios, então, Deus precisará ser de fato brasileiro para ajudar a resolver o problema ou pelo menos sentir na pele a obra que sua humanidade fez. Em pouco tempo nada mais haverá para cortar em despesas e gastos do governo — até porque nem todo corte significa necessariamente economia; pode, antes, implicar no aprofundamento da crise econômica e da explosão social.
A questão é como fazer essas reformas: com quais argumentos e sistema político se poderá conduzi-las de modo a que tenham credibilidade; e que sejam também justas, legítimas e aceitáveis.
Um discurso tão simplista quanto comprometido de que caberia — ou bastaria — taxar os ricos tampouco resolve. Ricos podem, de fato, ser onerados, mas não seria suficiente. Além disto, engana-se quem, na sociedade de tamanha desigualdade como a brasileira, pense que os ricos sejam os ''outros''. Muitos setores de classe média, altamente protegidos pelo Estado e pela força das corporações, sob vários critérios, podem ser classificados como privilegiados possuidores de vantagens excepcionais.
Mais que tudo, são necessários pactos e arrumações maiores e mais profundos. A saída da cilada em que o país caiu — ou foi jogado — não passa pelo cálculo ou pela estrita ação econômica. Não só. Por si só, isto não faz a luz no fim do túnel porque o túnel não parece ter fim. Isoladamente, o raciocínio econômico é estéril e insuficiente. Tecnicamente, a agenda é conhecida, as saídas são mesmo óbvias; o problema é que caminhos se confundem e tudo se embaralha.
Antes, a saída do labirinto reside no reencontro com a Política: na renúncia a métodos superados; um não, um basta, a negação de interações e dinâmicas esgotadas; um ciclo encerrado, uma página que precisa ser virada. A economia precisa — na verdade, implora — o suporte da política, mas também a política precisa se encontrar ao se dar conta de que o fisiologismo de governos sucessivos com o real presidencialismo de coalizão foi o que nos trouxe até aqui. Superar isto é o desafio.
Perdidas, almas atarantadas de importantes agentes políticos se engalfinham a respeito do governo Temer: o presidente deve ou não permanecer; sustenta-se o apoio ou se lhe retira a proteção? Discute-se se o presidente é culpado ou inocente; corrupto ou decente, responsável ou não por Rodrigo Rocha Loures. Mas, diante dos dados de Felipe Salto, nada disto parece ser essencial.
Não há mais blindagem possível, Michel Temer deve esclarecimentos e, com direito de defesa, deverá ser julgado. O pior será permanecer com dúvidas e de mãos atadas, sustentado apenas pelo poder da máquina e pelo uso do Diário Oficial, intensificando a paralisia, aprofundando a crise. Nada disto é saudável e nem de bom agouro para a democracia. A questão que precede é: nessas condições, há capacidade para afastar o país do abismo que lhe sorri — como demonstram os dados da Instituição Fiscal Independente?
Provavelmente, não. Independente da avaliação e do julgamento que se lhe possa fazer, é pouco provável que Michel Temer consiga dar conta do desafio mais essencial que lhe está colocado: conduzir o processo político baseado em parâmetros e princípios que neguem o fisiologismo, a corrupção e a rapacidade parlamentar e que estabeleçam o consenso e a comunicação política de qualidade capazes de encaminhar reformas políticas e econômicas inevitáveis com maior sintonia com a sociedade e menores custos sociais.
Alvejado o presidente, o governo está manco e sem mobilidade; qualquer que seja o resultado das inúmeras votações a que ainda será submetido, Michel Temer será um alvo marcado até o final de seu mandato seja ele abreviado ou não.
Difícil saber se, por sua vez, seria Rodrigo Maia a solução. O mais natural é que reproduza a mesma mentalidade, pois se trata de uma cultura política a que ambos, Maia e Temer, pertencem: a prática fisiológica e populista do baixo clero, despolitizada no final das contas, que se estabeleceu no parlamento ao longo dos últimos anos, desenvolvendo-se como vício voraz e irrefreável, que trouxe o país ao abismo real a que os números apontam.
Será preciso comunicar a gravidade da situação, dramatizar o quadro para construir o processo de reestruturação nacional: sem prejuízo da Justiça, unir lideranças, meios de comunicação, instituições e a sociedade. Acabar com a conversa mole de que a crise já foi superada, pois não foi; ''fazer de conta'' que Temer é um estadista em nada tem contribuído. Por fim, abrir uma janela para o futuro de onde se possa vislumbrar, aí sim, o lugar de construir a ponte mais estável possível.
Os dados de Felipe Salto cantam uma melodia de terror e aniquilamento. Ao mesmo tempo, gritam por socorro e pedem, isto sim, responsabilidade; não é possível que ninguém lhes ouça. O país carece de um governo de transição disposto a mudar métodos, comunicar com qualidade e conduzir o processo até que uma nova eleição, ao seu tempo, descarte o ressentimento, a raiva e o populismo e recomponha a união. É difícil e ninguém sabe ao certo como fazer. Mas, esse caminho só se fará andando. À beiro do precipício, o país clama por Política.
Carlos Melo
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