— Onde você aprendeu isso? — perguntei impressionado.
— No jiu-jitsu, claro” — respondeu. — Para um atleta é importante saber cair.
Na verdade, para todo o mundo. No caso das quedas metafóricas, isto é, das grandes derrotas, então nem se fala. Pensemos em Michel Temer. O mundo olha para ele e vê um sujeito a cair. A cair sem elegância nenhuma, num ridículo estupendo, numa tremenda e ruidosa exibição de incompetência na queda. O mundo ri. Só não ri mais porque, ao contrário da minha queda concreta, que durou um piscar de olhos, o metafórico trambulhão de Michel Temer se arrasta há longos e penosos meses. O mundo não ri mais porque aquela queda sem fim, de tão absurda, de tão grosseira, de tão indigna e vil, provoca vergonha alheia.
Chega um ponto em que o mundo não ri de todo, porque, quando a queda é muito feia, deixa de ser comédia para virar tragédia. É o que se está a passar neste momento na Venezuela, com Nicolás Maduro. Não há nada de engraçado na queda de Maduro, porque nesse processo ele está a arrastar o país inteiro. Quase todos os dias morrem pessoas devido à incompetência e teimosia de Maduro. A Venezuela está à beira da guerra civil.
Foi o que se passou também com Muamar Khadafi. As últimas imagens do ditador líbio, perseguido por uma turba enfurecida nas ruas de Sirte, a 20 de outubro de 2011, são um verdadeiro filme de terror. A queda de Khadafi, contudo, começou muito antes, numa sexta-feira, 17 de dezembro de 2010, quando um jovem tunisiano, Mohamed Bouazizi, ateou fogo ao próprio corpo, desencadeando uma série de protestos, que culminariam na derrubada do presidente Ben Ali. O ditador líbio teve imenso tempo para preparar uma saída — uma queda elegante, digamos assim —, mas preferiu fechar os olhos e manter-se aferrado ao poder.
Lição número um: fechar os olhos não interrompe a queda. Tão pouco detém o tempo. Continuamos a cair, mas como estamos de olhos fechados é provável que nos machuquemos ainda mais.
Kadhafi poderia ter convocado eleições livres, justas, vigiadas pela comunidade internacional. Se vencesse as eleições (o que nem sequer seria impossível, pois a Líbia tinha bons indicadores sociais e econômicos), continuaria no poder. Não teria havido queda. Se perdesse, ainda assim sairia em glória. Seria quase uma vitória.
Nicolás Maduro já não vai a tempo para sair em beleza, mas ainda está em posição para se esquivar ao infeliz destino de Kadhafi. Quanto a Michel Temer pode, pelo menos, evitar que a democracia caia com ele. Pode evitar que o país caia com ele. Renunciando à Presidência da República, e aceitando enfrentar a Justiça, Temer mostraria um assomo de dignidade, até mesmo de patriotismo, que embora não o salvasse da queda o salvaria pelo menos do ridículo. Acho que até que conseguiria alguns aplausos.
Lição número dois: se está a cair, aceite a queda. Não sendo possível contrariar a lei da gravidade (ou, no caso de Temer, as leis em geral), o melhor é tentar minimizar os danos: encoste o queixo ao peito para proteger o pescoço, flexione as pernas, enrole o tronco, atire as mãos para a frente e deixe-se ir.
Infelizmente, não creio que isso vá acontecer. Pessoas como Muamar Khadafi, Nicolás Maduro ou Michel Temer tendem a confundir a própria queda com um desconcerto geral do universo: não são eles que estão caindo, é a terra que perdeu o rumo. Agarram-se a quem esteja por perto, numa ânsia de sobreviver a qualquer custo.
Última lição: não fique muito perto de quem, não sabendo cair, tenha certa propensão para tropeçar.
José Eduardo Agualusa
Nenhum comentário:
Postar um comentário