Temer ouviu de autoridades locais, em Oslo, declarações de preocupação quanto ao desmatamento e também quanto aos crimes investigados na Operação Lava Jato. Essas autoridades talvez nem tenham percebido, mas juntaram duas questões de fato relacionadas: a péssima gestão dos negócios públicos e a bandalheira quase onipresente na política brasileira. A ajuda norueguesa ao Fundo Amazônia, agora reduzida pela metade (algo entre R$ 166 milhões e R$ 200 milhões), é insignificante quando comparada com o dinheiro desviado em qualquer dos crimes apontados na Lava Jato. Esses desvios, no entanto, são só uma parte dos enormes valores perdidos com obras públicas superfaturadas, benefícios fiscais sem retorno para a economia, favores financeiros a grupos eleitos como campeões nacionais e, é claro, ajudas trocadas por subornos.
Operações da Polícia Federal, segundo a declaração, “identificaram problemas reais de relacionamento promíscuo entre agentes públicos e o setor privado”. Esses problemas, acrescentam os autores, “não destroem a qualidade do produto brasileiro, porém arruínam a credibilidade das instituições que deveriam garantir essa qualidade”. Conclusão: é preciso reagir, mas sem negar os problemas, pois “existem, ainda que diminutos”.
Mas a soma de um enorme número de problemas pequenos, ou aparentemente pequenos, compõe um gigantesco painel de bandalheiras variadas e de negociatas em todos os níveis da administração. Boa parte dessa bandalheira está inscrita na rotina da política nacional e chega quase a compor um quadro de normalidade. O presidente Michel Temer ainda estava na Rússia quando o governo exonerou dois funcionários indicados pelo senador Hélio José (PMDB-DF). Três parlamentares da base haviam ajudado a derrotar o governo na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, no exame do relatório sobre a reforma trabalhista. Hélio José foi um deles.
Anunciada a exoneração de seus protegidos, um da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste e outro da Secretaria do Patrimônio da União no Distrito Federal, o senador reagiu com um discurso tão furioso quanto cômico. “Nós não podemos permitir que o governo transforme votações em balcão de negócios. Esse governo está podre. Esse governo corrupto tinha de ter vergonha na cara e renunciar”, disse o moralista, companheiro do respeitado Renan Calheiros na tentativa de pressionar o presidente Temer.
Hélio José chamou o governo de podre por haver desfeito, por meio de uma retaliação, um favor indecente, contrário ao princípio constitucional da impessoalidade administrativa e incompatível com qualquer modelo razoável de gestão. O senador parece, como tantos outros políticos, julgar-se autorizado, moral e institucionalmente, a indicar pessoas para funções na administração federal, direta ou indireta. Em contrapartida, o presidente Michel Temer parece julgar aceitável esse tipo de indicação.
O objetivo pode ser aparentemente inocente – dar oportunidade a um trabalhador ou atender ao desejo de uma tia querida. Mais comumente é apenas uma forma de servir a aliados e de comprar apoio. Aí está o balcão de negócios. A retaliação é desdobramento de uma história indecente desde o início. Mas o senador Hélio José deveria estar agradecido. O episódio tornou-o conhecido, muito mais que qualquer de suas contribuições ao engrandecimento do País.
Humilhação na Noruega, suspensão das importações de carne, derrota na Comissão de Assuntos Sociais do Senado e entrevero com o senador Hélio José são elementos do mesmo painel de corrupção, desleixo na administração pública e costumes e processos políticos da mais baixa qualidade.
O governo atual poderá deixar um bom saldo se for capaz de arrumar as contas públicas e fazer avançar a agenda de modernização trabalhista e previdenciária. Mas a efetiva modernização do País só ocorrerá com a superação final do patrimonialismo, com instituições duráveis, imunes ao reformismo de ocasião, e com a consolidação de uma burocracia profissional com normas próprias, impessoais e imunes ao governante da vez. Sem isso, qualquer proposta de parlamentarismo será uma insânia. Já imaginaram mexer em 20 mil cargos de confiança a cada mudança de Gabinete?
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