Apesar das caras e bocas que com lábios frouxos pronunciam com desprezo a palavra povo; da frieza com que provocam a repulsa da sociedade; da vaidade tragicômica que atinge píncaros do ridículo; apesar de vocês, juízes que comprometem a Justiça, há no país um genuíno desejo de decência.
O novo Brasil que está nascendo falou, no julgamento do TSE, pela voz do ministro Herman Benjamin, que se recusou a ser coveiro da verdade. A verdade ficou ali, gritante, reiterada por dois ministros do STF, Luiz Fux e Rosa Weber.
À decisão do TSE, à profunda revolta que provocou, veio se somar, dias depois, o suicídio político do PSDB. O partido que se demarcara do PMDB em nome da ética, contra todas as evidências de corrupção no governo decide continuar a apoiá-lo e protege seu próprio presidente enredado em gravações espantosas. O que põe a nu uma nova clivagem que não se pode chamar de política, já que os partidos esvaziaram o sentido dessa palavra. Uma clivagem que não é sequer ideológica, é moral.
A verdadeira clivagem é entre corrupção e honestidade. De um lado, a corrupção que contamina todos os grandes partidos em um gigantesco esquema de cumplicidade, entre si e com empresas bandidas; do outro, a população, ofendida, para quem honestidade na vida pública é meio e fim de um Brasil refundado. Que quer ver desaparecer da vida pública esses homens e mulheres que já não representam posição política alguma, apenas os seus próprios interesses de poder ou de dinheiro.
O desprezo é um sentimento quase sempre recíproco. A população despreza quem a despreza, o que em si já é parte do novo Brasil. Os partidos sabem disso. Daí quererem impedir candidaturas independentes, restringindo a escolha do eleitorado ao seu círculo incestuoso, onde jogam o jogo do toma lá dá cá, um abraço de afogados. Fingem não saber que o problema não é mais de política, e sim de polícia. Inútil, mais cedo ou mais tarde as sentenças virão.
A trama criminosa que se instalou no Brasil e que não tem paralelo no mundo continua viva e atuante, tentando a todo custo neutralizar a Lava-Jato e, se possível fosse, destruí-la. Esta persistência no crime fere a democracia e deixa uma cicatriz. E ainda nos expõe ao risco real e iminente de enfunar as velas de uma abominável extrema-direita pronta para aproveitar-se do vazio de poder aberto pela derrocada do sistema político.
Para além da luta contra a corrupção, da afirmação do fato moral, é urgente vertebrar a sociedade que queremos. Novas lideranças conquistarão o seu lugar na medida em que apresentem ideias e propostas para reconstruir o país, refundando a política e a democracia sobre os escombros que herdamos.
Ponto nevrálgico desse legado maldito avulta, entre outras misérias, a violência. A tragédia de jovens pobres e negros que se matam entre si, sem saber quem são nem por que vivem, a quem foi negada mínima chance de uma verdadeira escola, capacidades e valores, jogados no colo dos traficantes. Os que não morrem adolescentes vão agonizar em prisões concentracionárias, as mãos entre as grades em gestos de pedintes ou loucos. Políticos desonestos, que lhes roubaram a possibilidade de outro destino, também são culpados de seus crimes, da guerra nas ruas que está levando tanta gente a abandonar o Brasil. Também roubaram o futuro dessas crianças transformadas em exilados. E continuam dando a todos os jovens o pior dos exemplos, o da insensibilidade moral.
Vocês são hoje fantasmas, sentados em suas nobres cadeiras. Seu tempo acabou. Porque se o poder vem de cima, e se negocias nos porões, a confiança vem de baixo, e essa confiança vocês perderam.
Rosiska Darcy de Oliveira
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