As delações premiadas da Odebrecht revelaram no Congresso o gene egoísta de deputados e senadores. O melhor exemplo de gene egoísta é o comportamento do cuco, que não faz ninho nem toma conta das crias. Em vez disso, procura o ninho de outra ave. O cuco espera que esta se afaste do ninho. Quando tal acontece, retira um dos ovos e coloca o seu. O ovo é semelhante aos outros em cor e tamanho, para que o truque não seja percebido. A cria do cuco é a primeira a nascer; a ave enganada não nota a diferença e alimenta-a como se fosse sua. É aí que o filhote de cuco mostra sua genética: lança os ovos da outra espécie para fora do ninho para se livrar da concorrência e ser o único a receber comida.
Por uma dessas ironias da política, o relator da comissão especial da reforma política na Câmara é o deputado Vicente Cândido (PT-SP). Sua indicação é resultado de um acordo feito entre a bancada do PT e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por ocasião de sua primeira eleição. Para os deputados enrolados na Operação Lava-Jato, o petista é o cara certo, no lugar certo e na hora certa. Por uma simples razão, o PT sempre defendeu o financiamento público de campanha e o voto em lista. Ninguém poderá acusá-lo de adotar um expediente para se safar das delações premiadas.
Mas é disso que se trata, quando os demais partidos começam a aceitar a proposta. Diante do tremendo desgaste causado pela Lava-Jato, o voto em lista é como o ninho invadido pelo cuco. Essa pode ser a única possibilidade de os políticos que controlam os grandes partidos assegurarem a sobrevivência eleitoral. O eleitor vota numa lista, na qual são eleitos os primeiros da fila, na proporção da votação de cada partido. Atualmente, são eleitos os mais votados de cada chapa, embora a proporcionalidade também exista. Assim, seria possível o político queimado viabilizar sua eleição com base na votação da sua lista partidária, dependendo da posição que nela ocupe e do número de vagas conquistadas pela legenda. Com certeza, vai tomar o lugar de alguém com a ficha limpa, como aquele filhote de cuco que não admite concorrência no ninho.
Reforma política
O presidente Michel Temer entrou de cabeça na operação para salvar a elite do Congresso. Amanhã, vai discutir a reforma política e o financiamento de campanhas eleitorais com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia; do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE); e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, de quem partiu a iniciativa. O financiamento público de campanha, testado nas eleições municipais, impediu o financiamento de empresas, mas não a existência de caixa dois; além disso, criou uma situação que favorece candidatos apoiados por organizações religiosas e meios de comunicação. O ministro Gilmar é a favor do financiamento privado, votou contra o financiamento público no Supremo Tribunal Federal (STF).
O fato concreto, porém, é que a discussão não ocorre motivada pela necessidade de renovação política. Pelo contrário, a articulação tem um caráter regressivo. Seu objetivo é exatamente o contrário: bloquear o surgimento de uma nova elite parlamentar. A política é velha no Brasil não somente pelos costumes, mas também pela falta de renovação de suas lideranças. Talvez a reeleição tenha empurrado a fila para trás. Uma simples comparação com os principais líderes mundiais torna evidente a necessidade do surgimento de uma nova geração de políticos. Há muitos jovens parlamentares no Congresso, mas a maioria foi catapultada pelas respectivas oligarquias, basta conferir os sobrenomes.
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