quarta-feira, 15 de março de 2017

Futebol de torcida única

Fica assim combinado: alguém que eu admiro não pode jamais, a qualquer pretexto, frequentar festa, dividir mesa ou assemelhado com alguém que não está no meu campo de admiração.

Nessas circunstâncias não pode, principalmente, cair na armadilha de registrar em selfies o deslize praticado. Se o fizer, perde minha admiração, leva muito pau, será meme e renderá gifs e mais gifs da torcida onde sou filiado e ele até parecia simpatizante.

Mais grave, perderá quilos de seguidores nas redes sociais. Seguidores e likes, claro, resultam em fama e renda. Dindim.

Perder admiração é ruim, mas é também da vida. Adultos são – ou deveriam ser - responsáveis por suas atitudes. Inclusive pelas inocentes. Ou as que envolvem o direito de ir e vir. Ou de, sendo do lado A, frequentar socialmente o lado B. E ali até se divertir, se o caso for de uma festa, por exemplo, onde convidados não precisam apresentar carteirinha do time, camisa ou bandeira. Todos ali sabem quem é quem. E o que professa.

A proibição desse tipo de convivência social, lá pelos anos 80 do século passado, foi batizada de patrulha ideológica. Na minha lembrança muito praticada e, então, também enfrentada com galhardia. Tipo, eu lá estive e isso não significa que esteja rezando naquela cartilha ou que não continue demarcando meu campo de atuação, minha crença.

Os que não foram indignos, se não eram perdoados, acabaram respeitados no seu sagrado direito de ir, vir, pensar e agir conforme bem entender – sem matar, nem roubar ou falsear. Até contrariando seguidores, fãs.

Indignidades, é bom lembrar, não tem lado, nem ideologia, dispensa carteirinhas. É triste e livremente praticada, sem distinção de campo de atuação, desde o início dos tempos. No recente processo de impeachment assistimos on-line ou ao vivo incontáveis indignidades.

Pois no pacote de indignidades incluo os pedidos de desculpas e as justificativas proferidas nesses dias por quem, sendo do lado B, participou de uma festa do lado A, ou manifestou “admiração” por um desamado do lado contrário dos fãs.

Essas desculpas e justificativas abrigam o ridículo e levam ao obrigatório pensamento/sentimento: cagão! E por cagão, vacilão, conseguiram perder o respeito de todos. Feio, aviltante, indigno. Se foi e fez, sem crime, por que se desculpar ou justificar? Adulto, não sabe agir como tal?

Sobre atitudes e vacilos, alguém escreveu que em momentos graves é preciso escolher o lado certo da História. O lado certo da História é delimitação pessoal e intrasferível.

À parte os indignos, que flutuam ao sabor de poderes e vantagens, o lado certo da História é relativo para quem respeita a democracia e a liberdade de opinião. Pode ser o B pra mim, o A pra você, o C pra ele. Certo pra mim, errado pra eles outros. E vice-versa.

Perdendo ou ganhando, eu sigo, defendo e pratico o caminho das minhas crenças – meu lado certo da História. Posso não admirar os meus opostos, não vou compactuar com eles e seus métodos, mas preciso reconhecer o democrático direito de pensar e agir diferente, segundo o que defende, pensa, acredita. Meu adversário. Não necessariamente meu inimigo.

O contrário disso é a intolerância – essa maldita que, no óbvio, fomenta ódios, violência e guerras. O histórico desse passo a passo abriga a patrulha – a que vivemos em 80, que se repete agora. Sempre e historicamente praticada por movimentos totalitários à direita e à esquerda. E não só a ideológica, mas as de comportamento, que castigam intensamente fumantes, gays, periguetes, santas e putas.

Repetindo o futebol, estamos pretendendo jogo de uma torcida só. O que, além de ser uma ode a chatice, é profissão de fé na intolerância.

A pressão é democraticamente legítima. A intolerância não. Não resistir à patrulha, não tendo cometido crime previsto em códigos de lei ou de ética, é fraqueza principalmente de caráter.

Desculpa aí, mas foi mau - fez mal para o deputado e para o filósofo. Faz mal para a História.

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