sábado, 25 de março de 2017

Lula, Dilma e o rio: Exército Brancaleone no Nordeste

Mal (ou bem?) comparando, só faltou, no domingo passado, o grito de guerra “Branca! Branca! Branca!, Leon, Leon Leon”, para a extemporânea encenação político eleitoral misturada com patético e desesperado ataque à Lava Jato e ao juiz Sérgio Moro se completar, no esturricado sertão nordestino, no final do verão brasileiro de 2017.

O ambiente fica cada vez mais parecido – principalmente depois da Operação Carne Fraca – com o cenário medieval da fabulosa comédia do cinema italiano, “O Incrível Exército Brancaleone”.

Basta observar, com um mínimo de atenção e distanciamento crítico e ideológico, para logo se constatar: o que se tem visto nas últimas semanas na localidade de Monteiro, e em áreas próximas na Paraíba, Pernambuco e Ceará, não passa – apesar de todos os penduricalhos e disfarces jornalísticos, geopolíticos, antropológicos e intelectuais - da mais completa e deslavada imitação do memorável filme de Mario Monicelli – uma notável paródia a Dom Quixote, que satiriza também a própria situação da Europa no século XI.

No cinema, Brancaleone (magnificamente encarnado por Vittorio Gasman) e os quatro miseráveis famintos que acabam se tornando seu exército de desesperados “confrontam boa parte das grande polêmicas da Baixa Idade Média. Percorrendo o longo caminho até Aurocastro no lombo do pangaré Aquilante (referência ao Rocinante de Quixote”, como sintetiza um crítico de cinema.


No caso da comédia nacional do século XXI, temos no centro do cenário – ou no palanque principal, para ser mais exato -, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao seu lado, a mandatária deposta Dilma Rousseff (uma espécie de representação feminina de Sancho Pança) na encenação com dois propósitos: um, declarado, de “fazer a inauguração popular das obras de transposição das águas do São Francisco (visivelmente exangue e, em alguns trechos de seu leito, já devastado e sem água para ele próprio se manter vivo); outro implícito, de demonstração de força política preservada no Nordeste). “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu um lugar carregado de simbolismo para lançar de vez sua pré-candidatura à presidência em 2018”, diz o jo rnal espanhol El Pais em reportagem sobre o fato.

E acrescenta: o petista reuniu uma multidão no sertão da Paraíba em uma espécie de comício, onde Dilma afirma que “há interessados em impedir que ele se candidate”, numa referência velada às ações que responde na Justiça, incluindo as da Operação Lava Jato. E ainda nem se conhecia o teor devastador do depoimento de Emílio Odebrechth ao TSE, segundo o qual a ex-mandatária sabia da “dimensão” das doações por meio de Caixa 2 feitas pela empresa que ele presidia até ser preso e condenado pelo juiz Sérgio Moro, à campanha da petista à reeleição.

Em volta do palco em Monteiro, o regimento de curiosos somados a militantes, chamados de “multidão” pelos oradores e mestres de cerimônia, parecem tão fora da realidade quanto os que os estimula a gritar palavras de ordem do tipo “Lula lá” e “É golpe”. Melancólica expressão farsesca das multitudinárias manifestações políticas realizadas pela militância petista e seus aliados nos anos de mando Lula - Dilma.

Tudo isso ao sol fervente do fim do verão, na beira de uma obra inacabada – prevista para custar R$ 4 bilhões, mas que já engoliu mais de R$ 8 bilhões desde o seu lançamento em 2007. Desde então, irriga fortunas de muita gente e sucessivas campanhas eleitorais; municipais, estaduais e presidenciais. Dias antes da “festa de Lula”, fora precariamente entregue à população em outro comício (regado a farta propaganda), pelo mandatário da vez, Michel Temer, acompanhado de ministros, parlamentares, líderes regionais e claque providenciada pelo claudicante governo do PMDB e grupos que o apoiam.

Ao tempo em que acompanho as manobras políticas, às custas do sacrificado rio da minha aldeia, no agreste nordestino, escuto em Salvador, capital da Bahia, os alertas do governo estadual petista de Rui Costa, sobre dificuldades no abastecimento de água, pela Embasa, seguidos de pedidos para a população economizar o líquido, jogando a culpa na seca, histórico vilão de maus governos sustentados pela propaganda. Quase "absurdado", palavra da hora para resumir o espanto diante dos desmandos em todas as áreas, assisto, da janela do meu apê, e no entorno, num bairro classe média, mais pra A, a movimentação de "carros-pipas" botando água nos tanques dos prédios, escolas e etc. O inusitado me transportou, estarrecido, ao tempo da minha infância, em Macururé, em pleno coração do chamado Polígono da Seca. - Meu divino São J osé! Meu glorioso Santo Antonio, - rogava-se então, para enfrentar tal agrura.

“Amaldiçoado seja aquele que pensar mal destas coisas”, repito a irônica frase dos franceses, nesta semana em que se comemorou o Dia Mundial da Água. E relembro, também: o São Francisco é o rio da minha aldeia. Nasci em um antigo arraial, pequena localidade na sua margem baiana, a apenas 6 km de distância da cidade pernambucana de Cabrobó, no chamado Marco Zero da obra de transposição, que, vigilantemente, acompanho desde o primeiro dia. Tudo o que se relaciona ao rio que me viu nascer, me toca de perto e, apaixonadamente, me emociona. Espero jamais ficar alheio à sua morte ou ser cúmplice dos que exploram, roubam e estão matando "o maior rio genuinamente brasileiro", como aprendi na escola, "ao pé dele".

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