segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Ninguém é de ferro

Olho a tela com coração dividido. Confesso. As notícias vêm cobertas de imagens bonitas, em palco iluminado onde desfila um Carnaval sem fim. Olhando para frente ou para trás, os olhos só alcançam a realidade dura e perversa. Como se este estado de alegria fosse apenas um hiato, ou, talvez pior, uma ilha.

Difícil e inútil apontar a contradição entre a beleza da alegria, ainda que temporária, ou por vezes, simplesmente falsa. Seria muito melhor não pensar. Entregar-se a comemoração daquilo que a gente nem se lembra mais. Não consigo. Nunca localizei botão que desconecta o cérebro dos olhos.

O ser humano, quando possível, ignora as agruras do dia a dia. Não sem bons motivos. Mentiras doces confortam mais que verdades amargas. Por isso parar para festa seja talvez fundamental. Certamente a gente pode usar um pouco de alegria.

Infelizmente a 4ª feira chega logo. Implacável. Fria. E a gente é obrigado a olhar de frente as dificuldades. E enxergar é preciso. Enxergar não garante que os problemas resolvidos. Mas não se tem notícia de que qualquer problema tenha sido resolvido sem que tenha sido enxergado antes.

Talvez na 4ª feira à noite a gente possa voltar a se preocupar com o ambiente que ajudamos a criar. Entender como e porque a vida tem se resumido ao acompanhamento de crimes de toda espécie, violentos ou não.


E que desta contemplação surja o aprendizado e o reconhecimento da nossa história que levou a tudo isto. Somente aí é possível mudar. História não é passado. É presente. Foi ela que produziu cada um de nós. E gerou a maneira como nos relacionamos, somos tratados e tratamos aos outros. Cada um de nós carrega dentro de si a história, própria e coletiva. Cada um de nós tem a responsabilidade de entende-la e, quando necessário, moldar o futuro.

Daqui a pouco a tela vai mostrar imagens diferentes. Sem modelos, sem nudez, e sem beleza. Neste começo de ano já marcado por maldade insolente, é urgente entender e mudar a nação que gerou tanta iniquidade.

Mas pode esperar até a fim do carnaval. Ninguém é de ferro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário