Para além da pós-verdade, vivemos agora o pós-abandono.
O problema tem, entretanto, endereço claro: é no chão das cidades que se estraçalha o corpo do brasileiro. Prefeitos não podem se omitir ou chantagear os governos estaduais.
A pior chaga do ocaso das UPPs é a morte da esperança de um Rio mais seguro e unido. E fica parecendo que para resolver precisa-se de mais dinheiro. Não caia nessa ladainha.
As prefeituras precisam agir. E também não necessitam de somas vultosas, nem de obra. Talvez por isso nem tentem. Precisam agenciar a cidade. Cuidar. Precisam que os doutores saiam do ar-condicionado de seus gabinetes e ocupem a rua, com a população, implementando governança pedestre.
O problema da insegurança também não será resolvido com uma nova cidade planejada, concebida pelo socialismo utópico. A cidade que temos é a que temos. É uma realidade vital e potente. Os urbanistas têm papel decisivo em equacionar problemas do aqui e agora. Menos Le Corbusier e muito mais Jane Jacobs.
As prefeituras têm dever constitucional de governar o chão, o espaço público. O Poder Judiciário poderia cobrar isso mais do que se meter somente em arrestos financeiros.
Precisamos de tolerância zero com a desordem e a libertinagem das posturas públicas. Não se trata de proposta conservadora. Trata-se de urbanidade. O fascismo alimentado pela insegurança é o que deveríamos temer.
Necessitamos de lei urbanística para todos. Eis o cerne do problema: governar o espaço público escancara as nossas hipocrisias. Mostra como toleramos a bagunça como medida compensatória pelas injustiças sociais. Exibe o beneplácito para os amigos do rei. Expõe nossa submissão e medo para com a autoridade por causa do trauma da ditadura.
Mas observe-se os resultados do programa Segurança Presente, financiado pela Fecomércio: em seis meses, 200 mandados de prisão cumpridos, conforme publicado no GLOBO. Reduções impressionantes no número de furtos no Centro. A proximidade entre cidadão e autoridade é profícua.
A governança do espaço público é uma agenda revolucionária. Pois cria confiança no espaço público, entre pessoas desconhecidas, e isso estimula a liberdade da fruição da cidade. Para todos e por todos. Pacifica estranhos.
Jacobs defendia que o espaço público para ser seguro deveria ser legível, limitado pelos edifícios (não grades), com “olhos da rua”, isto é, com os desconhecidos se vendo, circulando, e sendo vistos por quem está nas janelas dos prédios, ou sentados nos bares, cafés, nas praças. Para tanto, é necessário haver ordem física, não rigidez, mas clareza, para se poder compreender o ambiente urbano.
Como fazê-lo entre bancas de jornal gigantes, cidadelas de ambulantes, carros predadores de pedestres, grades inúteis e estacionamentos exclusivos de autoridades? Construções de todos os tipos ocupam os espaços livres. Cabines da PM, castração de animais, venda de tíquetes para o Cristo… Como ler uma cidade com tantos postes inúteis, tanta fiação aérea?
Antanas Mockus reinventou Bogotá fazendo criativas campanhas sobre o convívio social respeitoso, ou seja, sobre urbanidade.
Boas calçadas são tão efetivas para criar segurança como o policiamento. Cuidar, conservar e embelezar o espaço púbico é a fundação para cidades mais seguras, e as subprefeituras têm papel decisivo, pois deveriam ser o núcleo indivisível de uma boa cidade.
Para tanto, tais equipes precisam ser técnicas, com capacidade de monitorar o território, para serem a liderança local, oferecendo canais de diálogo com a população e fornecendo dados para o planejamento. Enquanto forem apenas bases de tentativa e erro de lançamento de candidaturas eleitorais, os resultados serão funestos: subprefeitos aliam-se ao ilegal, como milicianos oficiais, num eterno morde e assopra.
Governar o espaço público cria urbanidade, confiança e liberdade. Princípios que poderemos perder brevemente se a insegurança reinar, pressionando a sociedade contra suas próprias convicções democráticas. Será mais brutal do que ordenar o espaço público imediatamente.
Washington Fajardo
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