Tal visão está longe de se limitar ao eleitorado trumpista.Há uma ampla percepção de que o mundo retrocede, de que nos dirigimos para uma espécie de caos. Segundo um levantamento do Instituto Motivaction, 87% da população mundial acredita que nos últimos 20 anos a pobreza global permaneceu igual ou se agravou. O paradoxo é que os dados deixam claro que essa é uma ideia falsa. O mundo melhorou ao invés de piorar.
Não significa, que fique bem claro, que o mundo seja um lugar perfeito. Nem sequer um bom lugar. Padecemos de injustiças, guerras, fome e violência. Uma minoria da população detém a maior parte da riqueza, enquanto 760 milhões – os 11% mais pobres – sobrevivem com menos de dois dólares (6,50 reais) por dia. A pobreza é cotidiana. Mas, de todos os cenários globais que já conhecemos (não que imaginamos ou desejamos, mas que conhecemos), este é o melhor.
O cientista cognitivo Steven Pinker, professor da universidade de Harvard, é um dos autores que mais forneceram dados em defesa dessa tese. Seu livro Os Anjos Bons da Nossa Natureza (Companhia das Letras) busca demonstrar que vivemos na época mais pacífica e próspera da história. “As pessoas, em todos os cantos do mundo, estão mais ricas, gozam de mais saúde, são mais livres, têm mais educação, estão mais pacíficas e desfrutam de uma maior igualdade do que nunca antes”, diz Pinker ao EL PAÍS. “Todas as estatísticas indicam que melhoramos. Em geral, a humanidade se encontra melhor que nunca.”
Mostram-nos, por exemplo, que os adultos desfrutam de vidas mais longas, e que a mortalidade infantil caiu a um quarto do que era há algumas décadas. Em 1960, segundo a Organização Mundial da Saúde e o Banco Mundial, de cada cinco crianças nascidas vivas uma morria antes de completar cinco anos; agora, 19 de cada 20 sobrevivem.
A riqueza também se multiplicou. Desde 1980, o percentual de pessoas que vivem na pobreza extrema foi reduzido em 75%. No sul da Ásia, ela atingia 50% da população, e agora só castiga 15%. No leste da Ásia e no Pacífico, a incidência da pobreza extrema passou de 80% (quatro de cada cinco pessoas) para apenas 3,5%.
A alfabetização está a caminho de se universalizar: em 1980, 44% das pessoas sobre o planeta não sabiam ler nem escrever; agora, são só 15%, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da UNESCO (órgão da ONU para a educação). Além disso, está diminuindo a disparidade educacional entre homens e mulheres no mundo todo. Muitos desses dados provêm do site Our World in Data, um projeto que reúne indicadores para mostrar como estão mudando as condições de vida das pessoas do mundo todo.
Desde os anos 1980, as guerras também vêm se tornando menos frequentes e agressivas. A violência retrocede: nas sociedades agrícolas, ela causava cerca de 15% de todas as mortes, segundo o pensador israelense Yuval Harari, autor do livro Sapiens – de Animais a Deuses. Durante o século XX, ela provocou 5% das mortes, e hoje só é responsável por 1% da mortalidade global.
Por que não vemos este progresso
Se os dados mostram melhoras, por que existe a percepção de que pioramos? Há muitas respostas. Todas corretas, e nenhuma completa. A primeira é que nos tornamos mais críticos, muito menos tolerantes com os erros e injustiças do sistema. Nunca antes a humanidade havia sido tão exigente consigo mesma. Coisas que hoje nos parecem intoleráveis eram a norma: em 1980, 54% dos espanhóis consideravam que ser homossexual era injustificável (essa cifra caiu para 8%). Essa exigência nos faz sentir que não melhoramos (ou que, pelo menos, não melhoramos o suficiente).
Johan Norberg acrescenta outra resposta: “Temos melhor acesso do que nunca às notícias e à comunicação. E, na imprensa, as más notícias são as que vendem. Ficamos sabendo de alguma má notícia ou algum novo incidente a cada minuto. Os desastres e as tragédias não são algo novo, mas os celulares e as câmeras são. E isso causa a impressão de que esses horrores são mais frequentes do que eram”.
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