sábado, 12 de novembro de 2016

Trump leva populismo de direita à Casa Branca

O populismo é a ideologia da ignorância. Confunde esquerda e direita, mistura promessas na mesma sopa. O populismo se sustenta em líderes carismáticos e se alimenta da manipulação da massa. A História tem exemplos com resultados dramáticos. Qual a diferença entre ser populista e popular? A quem serve o populismo, cuja retórica costuma ser o “nós contra eles”?

Donald Trump, o presidente eleito dos Estados Unidos, contra todos os prognósticos, é o mais exorbitante populista no momento no mundo. Quanto mais esbravejou, mais conquistou a audiência e eleitores nesta campanha agressiva nos Estados Unidos. Conquistou a Casa Branca, apesar dos palavrões. Ou os palavrões ajudaram? Porque a retórica agora é "tornar a América (os EUA) grande de novo". And f..... the rest.

Trump é antes de tudo uma celebridade, com seus livros, hotéis e cassinos. Ele fica “confortável diante das câmeras, fala como demagogo contra imigrantes ilegais, especialmente mexicanos”, e faz parecer simples combater o Estado Islâmico e os terroristas. A definição é de Michael Kazin, professor de história da Universidade de Georgetown. Como muitos populistas, diz Kazin, “Trump gosta de reduzir a política a um conjunto simples de polarizações” porque o “populismo é um dispositivo para mobilizar o povo contra as elites”.

Na França, a populista mais popular é Marine Le Pen, com discurso social e nacionalista de direita, contra a imigração – ela foi uma das primeiras políticas a felicitar Trump "e o povo americano" oficialmente. Na América Latina de populistas de esquerda como Juan Perón e Getúlio Vargas, o movimento tem caído em desgraça – na Venezuela, no Equador, na Argentina, na Bolívia e no Brasil.

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“O populismo, quando surge, permite acentuar o que a democracia tem de positivo e de negativo. Se o populismo se consolida, é um sintoma de que havia gente que não se sentia representada. Pode criar, assim, fenômenos de inclusão social importantes”, disse ao jornalista Silio Boccanera, da GloboNews, o uruguaio Francisco Panizza, professor de política da London School of Economics e autor do livro Populismo e o espelho da democracia. “Mas também há populismos extremamente destrutivos que levam a uma completa polarização social e a um conflito social muito difícil de resolver.”

Na manhã desta quarta-feira (9), despertamos na crista da onda do populismo de direita. Vamos ver como o mundo surfará esse desejo de separatismo, protecionismo e rejeição da política tradicional. Porque até as minorias, de uma certa maneira, apoiaram Trump, o que mais deve ter desapontado Barack Obama e Hillary Clinton foi ver que muitos pobres, negros e latinos se bandearam para os republicanos. Há, no eleitorado, mundialmente, um receio arraigado em relação à esquerda e à social-democracia, e há também uma certeza: o que rege sua ideologia é a promessa de emprego e economia forte.

A desilusão mundial com os políticos, pela corrupção e pelas mentiras, leva o eleitor a mandar um recado claro, com voto oculto não detectado pelas pesquisas eleitorais. Ele prefere apostar no desconhecido, por mais arriscado que possa ser. O desconhecido ainda não o decepcionou. O desconhecido com uma história pessoal de sucesso é um chamariz de voto. Não é por acaso que 23 milionários tenham sido eleitos no primeiro turno prefeitos no Brasil - e que, em São Paulo e no Rio de Janeiro, os vitoriosos tenham sido um empresário e um pastor, ambos para lá de ricos.

Para o eleitor comum, a maior bandeira é seu trabalho, sua chance de mobilidade social. Sua família é a maior preocupação. Saúde, segurança e o futuro de seus filhos são o que lhe tira o sono. O futuro do planeta, a ecologia, a paz, nada disso guia a maioria silenciosa na urna. É sua felicidade e a dos muito próximos o que comanda seu voto. Não vivemos tempos de compaixão ou de solidariedade com imigrantes e refugiados, ou com vizinhos de prédio ou de fronteira, ou com menores carentes ou delinquentes.

Um dos votos mais surpreendentes, recentemente, foi o do referendo na Colômbia. Era dado como certo que o povo colombiano aprovaria o acordo de paz com os guerrilheiros das Farc, depois de mais de 50 anos de guerra civil e 260 mil mortos. Mas o povo disse “não” no referendo. Rejeitou a anistia aos guerrilheiros.

Na Hungria, 95% rejeitaram em referendo abrigar cotas de refugiados de guerra e imigrantes. Na Grã-Bretanha, o povo decidiu pela Brexit a saída da Europa. Na Espanha, nenhum partido consegue formar maioria em eleições, e o povo está há quase 300 dias sem um governo nacional – e feliz com isso. “Sem governo, sem ladrões”, dizem os espanhóis.

Nos Estados Unidos, Donald Trump, ídolo dos nacionalistas, ganhou mesmo sendo classificado como um fenômeno de ódio, racismo, xenofobia, machismo. Inexplicável?

Ao chegar a Nova York há um mês, eu peguei no aeroporto um táxi dirigido por um jovem de Bangladesh, que foi com a família há 20 anos para os Estados Unidos. Perguntei em quem votaria para presidente. “Ainda não sei”, disse com sotaque forte. “Não gosto de nenhum dos dois. Será um voto difícil (tough). Mas, no último dia, vou escolher Trump ou Hillary.” Fiquei boquiaberta. Tive a sensação de que o rapaz de Bangladesh já se decidira por Trump. Um voto oculto e envergonhado, como tantos que acabaram por decidir esta eleição. 

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