Os procuradores federais esperam concluir as negociações em reuniões com a cúpula da maior empresa empreiteira do Brasil antes do Natal e que Zavascki não adie para depois da Quarta-Feira de Cinzas a homologação da “delação do fim do mundo”, pois Renan Calheiros poderia ser apanhado no contrapé. Ele é o maior interessado nessa anistia generalizada para políticos, empresários e executivos de estatais e repartições federais, de vez que é alvo de 11 investigações no STF. Gozará de foro privilegiado até 2018, mas não será mais o presidente do Senado e do Congresso, perdendo poder.
Quem compareceu não deu explicações ao Estado, que flagrou o repasto, mas isso não impediu que o repórter Erich Decat descobrisse que o anfitrião tratou do pente-fino que pretende fazer nos “supersalários” dos dignitários do Judiciário e do Ministério Público. Assim, trouxe a lume a bandeira dos “marajás” de seu ex-chefe Collor. A missão seria republicana, por aliviar o bolso vazio do cidadão neste tempo de crise, reduzindo a folha de pagamento de Poderes estroinas e expondo a fragilidade ética de juízes e procuradores que combatem com denodo a corrupção alheia, mas não abrem mão de privilégios também daninhos às finanças públicas. Perde, porém, esse condão por se tratar de mera retaliação.
Outros assuntos ingeridos com limão, cachaça, paio e carne seca causam ainda mais indigestão na cidadania empobrecida pela quebradeira das empresas e pelo desemprego de 12 milhões de trabalhadores. São eles: a Lei do Abuso de Autoridade, o projeto que altera a leniência de empresas acusadas de corrupção e a cínica inserção da anistia ao caixa 2 praticado em disputas eleitorais no projeto, apoiado por 2 milhões de eleitores, das dez medidas contra a corrupção.
A pretexto das necessárias garantias ao cidadão desprotegido contra a arbitrariedade dos agentes do Estado, o primeiro desnuda a desfaçatez, pois submete o princípio ético à agenda de conveniências do presidente do Congresso até fevereiro: ele arrancou o projeto da gaveta, onde dormitava, inerte, desde 2009, para amedrontar policiais, procuradores e juízes dispostos a desvelar falsas vestais da política.
O segundo, criticado pelo ministro da Transparência, Torquato Jardim, dribla o acordo internacional contra a corrupção ao qual Dilma aderiu. E repete a meta da presidente deposta de adotar os sham programs(programas de fachada), propostos pelas empresas acusadas pela Lava Jato.
Nos estertores da quarta indigestão imposta ao País pelo PT, o professor Modesto Carvalhosa denunciou exaustivamente a desfaçatez do discurso, falso como nota de 3 reais, da necessidade de perdoar empresários corruptos para garantir empregos, feito pela ex-presidente, que se anuncia pelo codinome de Janete ao atender telefonemas. O assunto, contudo, não se exauriu. E ganhou formas mais capciosas.
O projeto contra a corrupção, defendido anteontem na Câmara pelo Ministério Público Federal, contempla a criminalização do caixa 2. Então, contabilidade ilícita não é ilegal? É claro que é! Na votação da Ação Penal 470, a citada Cármen Lúcia, do STF, passou um carão em advogados presentes no plenário, pedindo respeito à lei, que proíbe tal prática, de que os políticos se querem ver liberados, mas ainda incriminando empresários que a violem. A criminalização faz-se necessária para atingir ex-políticos, candidatos derrotados e partidos. O relator, Ônix Lorenzoni, manteve-a no parecer que apresentou, mas avisou que parlamentares poderão alterar seu texto final para anistiar quem praticou o delito antes da vigência da lei, com base no princípio constitucional de que norma penal nunca pode retroagir contra o réu.
Já foi ensaiada uma tentativa malandra de aprovar a infâmia, mas, denunciada e derrotada, ela foi declarada órfã e abandonada. Sabe-se, porém, que o pai desnaturado se chama André Moura, conhecido na Câmara como André Cunha no reinado de Eduardo Cunha, de quem foi vassalo. Agora líder do governo, ao agir ele põe em dúvida as juras de amor de Temer à Operação Lava Jato.
“É preciso estar atento” para evitar que a operação abafa imponha “mais do mesmo” em matéria de impunidade no Brasil, disse à Folha o ministro do STF Luiz Roberto Barroso, cônscio da quantidade de interesses feridos pela Lava Jato. Se o líder do governo continuar conspirando a seu favor, será o caso de perguntar se Temer não pratica o menos do mesmo do que fazia Dilma.
José Nêumanne
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