O presidente Obama estava errado. O consenso acadêmico define o populismo exatamente assim: “É uma ideologia rasa que considera que a sociedade se divide em dois grupos homogêneos e antagônicos, o ‘povo simples’ e a ‘elite corrupta”, diz Cas Mudde, professor da Universidade da Geórgia. Esse discurso pressupõe que “os dois grupos têm interesses irreconciliáveis, o que leva a enfatizar a soberania nacional ou popular”, diz Luis Ramiro, professor da Universidade de Leicester. O político populista é, então, o único que representa a voz de toda a população.
Por essa definição, o populismo é um instrumento eleitoral ou de poder. Seu uso bem-sucedido mais recente foi a campanha de Donald Trump: “A pergunta de amanhã é: quem vocês querem que governe a América, a classe política corrupta ou o povo?’”, perguntava Trump na véspera da eleição.
Na Europa, o Brexit e o crescimento da Frente Nacional na França são outros exemplos. No sul da Europa, dois partidos de esquerda – o Syriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha – usaram essa distinção entre povo e elites. “O Podemos propõe a necessidade de uma nova identidade política, um ‘nós’, que é fundamental em política, que não é mais esquerda-direita, mas sim povo-oligarquia, cima-embaixo, população-casta”, diz Jorge Lago, responsável pelo Instituto 25M, uma fundação vinculada ao Podemos.
A estratégia do "eles contra nós" seria a grande semelhança entre os populismos: “O que Trump e o Podemos têm em comum é sua reivindicação de que as elites desapontaram o povo e usurparam a democracia. Como resultado, dizem que o povo deve ‘recuperar seu país’ votando neles”, diz Duncan McDonnell, professor da Universidade Griffith em Brisbane (Austrália). O Podemos acredita que essa análise é simples demais: “Desde o início da crise assistimos a um processo inquestionável de oligarquização da economia e da política. Pensar que só por isso se é populista é uma análise apressada”, diz Lago.
É possível, pois, falar de um populismo genérico. Existem, contudo, duas grandes diferenças entre os populismos de direita e de esquerda. Primeiro, obviamente, as políticas: “O Podemos e a Frente Nacional têm em comum o fato de dirigirem seus ataques contra uma elite liberal que acreditam ser responsável pelos problemas. Mas diferem no tipo de problemas que identificam e enfatizam, e nas soluções que oferecem”, diz Benjamin Stanley, professor da Universidade SWPS de Varsóvia (Polônia).
A segunda distinção entre os populismos de esquerda e de direita é a definição de povo: “A maneira como se constrói o povo é a principal diferença entre ambas as formas de populismo”, diz Chantal Mouffe, que iniciou, com Ernesto Laclau, uma corrente que reivindica o populismo e é citada repetidamente no Podemos. O povo pode ser um ente cívico ou étnico. A direita tende a centrar-se no conceito étnico, daí sua retórica sobre a imigração. A esquerda é mais inclusiva. Reduz sua definição do “nós” a algo mais etéreo: “O Podemos diz que o populismo é uma forma de retórica com a qual se constrói uma forma de povo”, diz Guillem Vidal, pesquisador do European University Institute em Florença (Itália).
Aqui surge outra grande confusão sobre o conceito de populismo: Existem medidas populistas ou apenas de esquerda, de direita, demagógicas ou estúpidas? Os acadêmicos divergem. Hoje, por exemplo, a direita populista abandonou a defesa do livre mercado em favor do protecionismo. Nesse aspecto, sua posição a aproxima de setores da esquerda. O movimento pode ser populista, mas a proposta concreta também é? Ramiro acredita que não: “Não está claro se o protecionismo é de direita ou de esquerda. Dizer que algo é uma política fiscal ou exterior populista é expandir o conceito de maneira excessiva ou perigosa. Demagogia não é populismo”, diz.
Entre os acadêmicos consultados, há um que define o populismo como algo mais que uma mera retórica de campanha: “O populismo é iliberalismo democrático”, diz Takis Pappas, professor na Universidade da Macedônia, em Tessalônica (Grécia). O objetivo dos políticos populistas não seria tanto apresentar uma divisão social, mas sim desmontar a democracia liberal: “Os partidos populistas opõem-se a instituições democráticas como a imprensa livre, a divisão de poderes e especialmente a autonomia judicial”, diz Pappas.
Os exemplos que Pappas menciona são Chávez e Maduro, na Venezuela, e Fujimori, no Peru. Se um líder é o único representante do povo, qual a necessidade de uma oposição e contrapesos do poder? A ideia de que todos os adversários pertencem à elite corrupta os deslegitima: se o discurso populista é levado ao extremo, “projeta uma concepção majoritária da política em que os partidos no poder supostamente servem ao povo inclusive contra a lei”, diz Pappas.
O populismo revela se é mais que um discurso quando chega ao poder. No discurso de Trump aparecem detalhes iliberais. No governo será olhado com lupa. Mas nem todos os populismos implicam iliberalismo: “Existem populistas que não usam esses elementos para debilitar a separação de poderes ou intervir de forma perigosa nos meios de comunicação”, diz Ramiro.
Na Europa, o Brexit e o crescimento da Frente Nacional na França são outros exemplos. No sul da Europa, dois partidos de esquerda – o Syriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha – usaram essa distinção entre povo e elites. “O Podemos propõe a necessidade de uma nova identidade política, um ‘nós’, que é fundamental em política, que não é mais esquerda-direita, mas sim povo-oligarquia, cima-embaixo, população-casta”, diz Jorge Lago, responsável pelo Instituto 25M, uma fundação vinculada ao Podemos.
A estratégia do "eles contra nós" seria a grande semelhança entre os populismos: “O que Trump e o Podemos têm em comum é sua reivindicação de que as elites desapontaram o povo e usurparam a democracia. Como resultado, dizem que o povo deve ‘recuperar seu país’ votando neles”, diz Duncan McDonnell, professor da Universidade Griffith em Brisbane (Austrália). O Podemos acredita que essa análise é simples demais: “Desde o início da crise assistimos a um processo inquestionável de oligarquização da economia e da política. Pensar que só por isso se é populista é uma análise apressada”, diz Lago.
É possível, pois, falar de um populismo genérico. Existem, contudo, duas grandes diferenças entre os populismos de direita e de esquerda. Primeiro, obviamente, as políticas: “O Podemos e a Frente Nacional têm em comum o fato de dirigirem seus ataques contra uma elite liberal que acreditam ser responsável pelos problemas. Mas diferem no tipo de problemas que identificam e enfatizam, e nas soluções que oferecem”, diz Benjamin Stanley, professor da Universidade SWPS de Varsóvia (Polônia).
A segunda distinção entre os populismos de esquerda e de direita é a definição de povo: “A maneira como se constrói o povo é a principal diferença entre ambas as formas de populismo”, diz Chantal Mouffe, que iniciou, com Ernesto Laclau, uma corrente que reivindica o populismo e é citada repetidamente no Podemos. O povo pode ser um ente cívico ou étnico. A direita tende a centrar-se no conceito étnico, daí sua retórica sobre a imigração. A esquerda é mais inclusiva. Reduz sua definição do “nós” a algo mais etéreo: “O Podemos diz que o populismo é uma forma de retórica com a qual se constrói uma forma de povo”, diz Guillem Vidal, pesquisador do European University Institute em Florença (Itália).
Aqui surge outra grande confusão sobre o conceito de populismo: Existem medidas populistas ou apenas de esquerda, de direita, demagógicas ou estúpidas? Os acadêmicos divergem. Hoje, por exemplo, a direita populista abandonou a defesa do livre mercado em favor do protecionismo. Nesse aspecto, sua posição a aproxima de setores da esquerda. O movimento pode ser populista, mas a proposta concreta também é? Ramiro acredita que não: “Não está claro se o protecionismo é de direita ou de esquerda. Dizer que algo é uma política fiscal ou exterior populista é expandir o conceito de maneira excessiva ou perigosa. Demagogia não é populismo”, diz.
Entre os acadêmicos consultados, há um que define o populismo como algo mais que uma mera retórica de campanha: “O populismo é iliberalismo democrático”, diz Takis Pappas, professor na Universidade da Macedônia, em Tessalônica (Grécia). O objetivo dos políticos populistas não seria tanto apresentar uma divisão social, mas sim desmontar a democracia liberal: “Os partidos populistas opõem-se a instituições democráticas como a imprensa livre, a divisão de poderes e especialmente a autonomia judicial”, diz Pappas.
Os exemplos que Pappas menciona são Chávez e Maduro, na Venezuela, e Fujimori, no Peru. Se um líder é o único representante do povo, qual a necessidade de uma oposição e contrapesos do poder? A ideia de que todos os adversários pertencem à elite corrupta os deslegitima: se o discurso populista é levado ao extremo, “projeta uma concepção majoritária da política em que os partidos no poder supostamente servem ao povo inclusive contra a lei”, diz Pappas.
O populismo revela se é mais que um discurso quando chega ao poder. No discurso de Trump aparecem detalhes iliberais. No governo será olhado com lupa. Mas nem todos os populismos implicam iliberalismo: “Existem populistas que não usam esses elementos para debilitar a separação de poderes ou intervir de forma perigosa nos meios de comunicação”, diz Ramiro.
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