O serviço da Universidade de Oxford tem autoridade para tanto. O dicionário começou a ser concebido em 1857. A tarefa foi entregue ao professor James Murray, em 1879. Cinco anos depois, ainda não tinham saído da letra “a”. Somente em 1884 os primeiros volumes foram lançados. O alfabeto só seria coberto em 1928, com 400 mil palavras. Essas referências ajudam a entender que não se trata de um dicionário comum. Ele tenta registrar as palavras desde a sua origem até seu uso corrente nas ruas, como elas ganham novos significados e se incorporam às nossas vidas.
Pela definição do dicionário, pós-verdade quer dizer “algo que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência para definir a opinião pública do que o apelo à emoção ou crenças pessoais”. Em outros termos: a verdade perdeu o valor. Não nos guiamos mais pelos fatos. Mas pelo que escolhemos ou queremos acreditar que é a verdade.
A palavra se tornou recorrente depois da surpresa do Brexit e da eleição “sangrenta” nos Estados Unidos. Mas pode perfeitamente ser aplicada ao nosso momento político. Para o jornalismo, é uma má notícia. Embora seja quase folclórico em nossas redações citar algum dono de jornal (e os nomes variam) que teria por vício repetir diante de alguma noticia que não queria saber dos fatos, mas da versão que o jornal iria publicar.
O terreno da internet tem se revelado fértil para a propagação de mentiras — sempre interessadas —, trincheira dos haters. Levamos tanto tempo para estabelecer uma visão “científica” dos fatos, construir a isenção do jornalista, a independência editorial e, de repente, vemos que o debate político se dá entre “socos e pontapés”. A pós-verdade arrasta a política, o jornalismo, a justiça, a economia, a nossa vida pessoal...
Seria prudente resgatarmos o território da verdade. Substantivo feminino. Simples assim. Expressão dos fatos, e fatos podem ser verificados. Esse é o papel do jornalismo. Ou torcermos para que no ano que a palavra escolhida pelo Dicionário de Oxford não seja parecida com desastre.
PS: A história do dicionário de Oxford está bem contada no livro “O professor e o louco”, de Simon Winchester, que relata o trabalho de um dos colaboradores do professor James Murray, William Chester Minor, o louco do título. Durante todos os anos que contribuiu para o dicionário selecionando citações para ilustrar o uso das palavras, ele esteve internado numa clínica para doenças mentais.
Luiz Cláudio Latgé
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