Tsemberis, de 67 anos, dá aulas na Universidade de Columbia e dirige a organização com a qual difunde seu modelo, a Pathways to Housing. As ruas da Nova York no final da década dos 1980 lhe mostraram de perto uma máquina assistencial que engolia muitos levando-os ao hospital, à prisão ou aos centros de desintoxicação para depois voltarem ao mesmo buraco de papelão em que tinham sido encontrados antes. Ele trabalhava em um hospital, em um serviço de emergência móvel para atender os sem-teto. “Havia muitos. Saíamos à rua para procurar os que tinham problemas de saúde, gente que tossia sangue, que tinha bolhas nos pés… Muitos melhoravam no hospital, mas o problema é que depois voltavam para a rua. Pensamos: este sistema não serve para nada”, conta em uma cafeteria do centro de Madri, aonde veio apoiar o trabalho da ONG Rais Fundación, pioneira na aplicação de seu modelo na Espanha. “Não queriam ir primeiro ao hospital, nem ao dentista, nem a um tratamento de desintoxicação… Não. Queriam uma casa. Eu pensava: ‘Meu Deus! Uma casa? Não tenho uma casa. Tenho uma clínica, uma van, um sanduíche, um cobertor…’ Uma casa. Assim saí do hospital e comecei minha ONG”.
Na Espanha, a Rais Fundación tem uma rede com 117 moradias em várias cidades e, em um ano e meio de funcionamento, 96% dos beneficiários – que têm em média nove anos de rua – continuam alojados. O custo diário para o Governo é de 34 euros (120 reais), igual ou superior, diz a organização, que o de um serviço assistencial convencional. Os apartamentos estão espalhados por edifícios e bairros comuns, porque se trata de integrar. Só há três condições para entrar: não incomodar os vizinhos, permitir a visita da equipe pelo menos uma vez por semana e, se o antigo sem teto tiver renda, destinar 30% para manter o serviço.
Miguel Castello |
Tsemberis, de origem grega e radicado nos Estados Unidos desde os oito anos de idade, demorou para entender o problema e pensar de forma alternativa. Talvez por isso pareça acostumado ao ceticismo e às críticas que a estratégia desperta, tanto que expõe seus argumentos com um grande sorriso. Explica que, de início, ele também tinha dúvidas: “Eu não sabia se alguém podia realmente se comportar em um apartamento. Isso gera uma ansiedade enorme, porque você fica preocupado pensando: 'Será que ele vai acender o fogo na cozinha?'. E coisas terríveis do tipo: 'O que vai acontecer se começar para ouvir vozes, se fizer mal aos vizinhos?'. Mas você precisa assumir o risco e confiar na pessoa. Fizemos muitíssimas visitas para nos certificarmos de que todos estavam bem”.
O psicólogo também se dedicou a levantar números. Queria provas, não boas intenções. Primeiro, para submeter seu programa à avaliação: “Queríamos saber que não era pior do que continuar levando-os a hospital”. Para convencer os colegas e o poder público: “Depois de um ano, 84% das pessoas que alojamos continuavam nos apartamentos. Genial, mas as pessoas continuavam sem acreditar. Pensavam: ‘As pessoas que você está tratando não estão tão doentes como as que eu atendo. Nova York é diferente de todas as cidades e não funcionará em outras”. A terceira razão é que, com os números, sabem que o Estado está poupando dinheiro: “Se você somar o custo anual dos serviços sociais utilizados para atender alguém em situação de rua (pronto-socorro, ambulâncias, desintoxicação, prisão…), o gasto pode chegar aos 100.000 euros. Se colocá-lo em um apartamento disponibilizado pelos serviços sociais, são 15.000 euros por ano”. O estudo para saber se isso funcionaria foi desenvolvido pela Universidade de Nova York, pago e fiscalizado pelo Governo federal dos Estados Unidos. “Sete anos depois, resultava nos mesmos dados que nós tínhamos. Já estávamos falando de ciência, não de casos pontuais”, explica Tsemberis com ênfase.
O caso dos 70.000 veteranos de guerra sem-teto que havia nos Estados Unidos é um bom exemplo de que o programa funciona. A Casa Branca anunciou que algumas cidades erradicaram o problema e que, em apenas três anos, houve uma diminuição de 36% em todo o país. Mas se seu método tem resultados tão positivos e comprováveis, por que não se generaliza? “Não sei”, admite Tsemberis. Ele acredita que o velho e o novo modelos podem ser complementares. “O antigo detectou que as pessoas na rua sofriam de enfermidades mentais e dependência química, mas se pensou, incorretamente, que era preciso tratá-las antes de lhes dar acesso a uma moradia. Ainda hoje não temos uma cura para esses problemas. Assim, se você esperar que se curem primeiro, muitos nunca serão alojados. O antigo sistema não é de todo inútil: tem sucesso em 30% a 40% dos casos”, explica.
Uma das coisas que o professor diz ter aprendido nesses 24 anos é que, devido à doença mental ou ao fato de estar na rua há tantos anos, quando voltam a morar sob um teto as pessoas recuperam a capacidade de viver de forma autônoma. “Pode haver alguém que acredite que este fotógrafo é um espião soviético e mesmo assim seja capaz de cozinhar, lavar-se e fazer a cama”, diz enquanto gesticula sem parar. “Sobreviveram por anos na rua. Para isso têm que saber quais são os lugares seguros, como cuidar de si mesmos e de suas coisas, como evitar que sejam presos, onde estão os refeitórios… são funcionalidades, assim se foi capaz de subsistir na rua, fazê-lo em um apartamento onde o banheiro está ali do lado e não a duas quadras não será um grande problema”, afirma.
Também recuperam outras coisas. Em um vídeo da organização, um dos beneficiários do programa na Espanha fala em dignidade. “É impressionante”, diz Tsemberis. “Acredito que não somos capazes de nos dar conta do que é não ter casa. Da solidão que isso traz. O mais útil deste programa é a rapidez com que se passa do sobreviver para o viver. Ocorre da noite para o dia. Alguém entra em um apartamento com suas bolsas e, no dia seguinte, tomou banho e dormiu em uma cama, tem uma chave na mão e é como qualquer morador daquele edifício. As pessoas não te olham quando você é um sem-teto. Apesar de se sentir muito exposto, você é invisível. E de repente está morando em um apartamento e seus vizinhos te dizem: ‘Bom dia, como vai?”
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