Para ilustrar a questão, recorro aos índios koguis, da Colômbia. Vivem na região caribenha de Santa Marta, no meio da selva amazônica, perto da Cidade Perdida, a gigantesca e desafiante ruína da civilização Tayrona, desaparecida há séculos. O Pico São Cristóvão, o mais alto da Colômbia, é o centro de seu universo.
No entanto, assim que chega a puberdade, o quadro muda. Eles assumem o papel de machões e elas se tornam semiescravas. Esposas obedecem aos maridos às cegas. Muitos as castigam fisicamente, largam-nas em cômodos pouco confortáveis, não admitem que frequentem o templo central da aldeia ou abandonem a tribo. Uma delas, apaixonada por um guia turístico, foi caçada depois de fugir. Outra teria sido morta. O que faz uma situação de absoluta igualdade se transformar em desigualdade?
A resposta é a cultura. Apesar de toda a equiparação inicial, a sociedade no fundo pratica outros valores, tacitamente aceitos. É a tradição dos koguis, com a qual convivem há séculos. Para mim soa uma afronta, um ato inadmissível. Para eles, é a norma. Não devo julgar. Trata-se de uma questão antropológica.
Sempre houve e haverá diferença entre os sexos, mascarada na infância dos koguis. Entre nós, nas escolas, também há e esquecê-la tampouco evitará, no futuro, a discriminação e o preconceito, mantidos os atuais padrões de nosso convívio.
Para eliminar a absurda discriminação ou agressão à mulher, a sociedade como um todo precisa se preparar. A sala de aula é um ótimo ponto de partida. Custa muito mudar um preconceito centenário, aceito até por quem é prejudicado. Conheço mulheres que até hoje dispensam tratamento especial aos filhos homens. São mais machistas que eles. Jamais admitiriam, por exemplo, que fossem homossexuais.
Atitudes positivas e afirmativas também ajudariam a minorar o problema. Além disso, a lei deve prevalecer. Existem proteções legais contra os abusos. Estão em vigor. Se aplicadas, muitos problemas deixarão de existir.
No entanto, há um longo caminho até a igualdade entre os sexos e até a completa liberdade de opções sexuais. Assim como para a discriminação racial. A qualquer hesitação, encampamos a atitude dos kóguis, sem qualquer prurido antropológico. Aliás, no fundo, é a nossa tendência. Muitas gerações e muitos discursos nos levaram a esse comportamento. Até quando?
Luís Giffoni
Nenhum comentário:
Postar um comentário