No período de dois dias, quase 34 mil judeus foram mortos no maior fuzilamento em massa feito pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial
Vasily Mikhailovsky ainda se lembra muito bem daquele dia no final de setembro de 1941. Ele tinha 4 anos quando, de repente, apareceram folhetos na Kiev ocupada pela Alemanha. Eles convocavam os judeus a se reunirem num local específico na periferia da cidade. Era um dia de outono ensolarado. "Um grande número de pessoas se colocou a caminho", recorda Mikhailovsky. "Eles puxavam carrinhos com seus pertences."
Mikhailovsky estava com sua babá, Nadia. A mãe havia morrido logo após o seu nascimento. O pai fora capturado pelos alemães como soldado do Exército Vermelho, mas conseguiu escapar. Em seu retorno a Kiev, foi morto a tiros.
O administrador do prédio disse a Nadia que levasse "a criança judia para Babi Yar". Nadia, que, na memória de Mikhailovsky, "não era particularmente bonita, mas muito, muito simpática", obedeceu a instrução. Na manhã seguinte, os dois fizeram o caminho até a ravina, localizada a sete quilômetros de distância, juntamente com milhares de outros.
"Eu estava muito feliz porque pensei que era uma manifestação, como no Primeiro de Maio ou no dia da revolução", diz Mikhailovsky, em entrevista à DW. "Eu dizia para Nadia: 'Compra para mim um balão ou uma bandeirinha. Mas aquele não era um dia de festa".
Vasily Mikhailovsky se lembra muito bem daquele final de setembro de 1941 |
O que aconteceu naquele dia foi, em vez disso, o maior fuzilamento em massa realizado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. No período de dois dias, quase 34 mil judeus foram executados em Babi Yar.
Quando Mikhailovsky e Nadia se aproximaram das demais pessoas na ravina, os soldados se alinhavam na beira da estrada e forçaram as pessoas para dentro da área das execuções. "Eles batiam nas pessoas, as empurravam a coronhadas e cassetetes e as tocavam como gado", recorda-se Mikhailovsky. "Em algum momento, chegamos a uma espécie de cancela."
Ele ainda se lembra de como Nadia mostrou seu passaporte para o policial e disse "eu sou ucraniana, eu sou ucraniana". Um dos guardas a agarrou pelo colarinho e a arrastou para o outro lado da cancela. "Ele apontou para uma pequena passagem e disse 'vá e coloque a criança ali'", diz Mikhailovsky.
Enquanto esperavam, podiam ouvir o que acontecia às pessoas que haviam chegado ao fim da passagem. "Ouvimos gritos e choro, mas os aviões que voavam sobre nós abafavam o barulho", conta Mikhailovsky. "Em algum lugar sobre nós tocava música."
Durante décadas, o que aconteceu naquela ravina não fez parte da história oficial da Ucrânia. No início, as autoridades soviéticas se negaram a reconhecer o massacre. Quando elas finalmente ergueram um monumento – uma enorme estátua de bronze com figuras curvadas em sofrimento – as vítimas foram simplesmente denominadas de "cidadãos soviéticos".
Quando a União Soviética chegava a seu fim, grupos judeus ergueram um monumento de formas mais simples, perto da ravina onde ocorreu a tragédia. Após a independência do país, o governo de Kiev começou a lembrar o evento com cerimônias oficiais.
Neste ano, por ocasião do 75º aniversário, a liderança ucraniana e a comunidade internacional homenageiam as vítimas com um amplo programa, que inclui conferências, exibições de filmes, concertos e exposições. Grupos judaicos querem construir perto do local um grande museu do Holocausto.
Mas a lembrança do ocorrido também gera polêmicas. Os judeus não foram os únicos a serem assassinados em Babi Yar durante a Segunda Guerra Mundial. Também ciganos da etnia rom, prisioneiros de guerra soviéticos, doentes físicos e mentais estão entre as vítimas.
No entanto, a esmagadora maioria dos mortos era de origem judaica. Alguns observadores temem que, com a ênfase no caráter multiétnico da vala comum, o papel de Babi Yar como um dos principais monumentos do Holocausto possa ser diluído. (O livro "Babi Yar", de Anatoly Kuznetsov, retrata o terror daqueles dois dias e a fumaça da queima dos corpos que por dias encheu a região com a fuligem e o cheiro de carne queimada. A visão e o olfato da imaginação não deixam leitor nenhum imune à atrocidade)
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