segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Metamorfoses verbais

Os estudiosos de assuntos semânticos, examinando variações de sentido das palavras no tempo, costumam se defrontar com coisas curiosas.

Para dar um exemplo, invertemos os sentidos originais das palavras “aquário” e “piscina”. Aquário deveria ser denominação para um receptáculo cheio de água. Piscina seria espaço aquático com peixes (pisces) dentro.

Palavras podem também praticamente perder uma de suas dimensões semânticas. “Esclarecer”, por exemplo, hoje só é usada em sentido figurado, como sinônimo de explicar. Ninguém mais diz “o sol nasceu esclarecendo a praia”, ou “a noite já caiu, vamos esclarecer a varanda”. Acho que sou um dos poucos que ainda usa “esclarecer” em seu sentido mais literal.

Mas vamos adiante. Hoje, na miséria moral (financeira, jamais) da política profissional brasileira, o que temos visto são palavras e expressões que ou perderem qualquer sentido ou são acionadas para mascarar o seu exato oposto. Por um procedimento de corrupção política intencional dos sintagmas verbais.

Quando candidatos e partidos dizem que fizeram tudo rigorosamente dentro da lei, que as doações de campanha que receberam foram todas legais, meu primeiro impulso é defender que sejam agraciados com o Nobel da Cara de Pau.

Pouca gente consegue ficar séria quando Dilma Rousseff proclama aos quatro ventos: sou uma mulher honesta! Quem andava cercada de ladrões, deixando-os roubar à vontade, não tem o direito de dizer uma coisa dessas. Menos ainda – muito menos – tem Lula da Silva o direito de se proclamar “a alma mais honesta desse país”.

Aliás, o ex-tudo Jaques Wagner – também conhecido como “o Compositor” e “o Passivo” nos anais da honestidade nacional – fez uma afirmação no mínimo interessante para demonstrar que Lula não é e nunca foi corrupto: “Eu conheço Lula há décadas. Ele vive há anos na mesma casa”.

Bem, se o critério for esse e o aplicarmos ao próprio Jaques Wagner, ele estará em maus, péssimos lençóis. Sim. Conheço Wagner há décadas. E se tem uma coisa que ele não fez na vida foi permanecer há anos na mesma casa.

Muito pelo contrário. Trocou a quitinete dos tempos de sindicalista por um apartamento caríssimo no Corredor da Vitória, o ponto mais luxuoso de Salvador. Só o que ele paga de condomínio dá para uma família de classe média viver confortavelmente.

E como foi mesmo que essa mudança se deu? Não sei. Mas vai ver que Lula é quem está certo: a profissão de político é a mais honesta de todas, mesmo se o sujeito for ladrão.

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