segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Boca do Inferno

02last31
Detalhe de O Juízo Final,
de Hans Memling (c. 1430-1494)
Convém a gente sempre se despedir. Mudar sem dizer adeus ao passado não é saudável. Para abraçar o futuro, fechar a porta do passado é preciso. Simples assim.

No festival de mentiras e deprimente sequencia de chicanas que vivemos nos últimos anos, é sempre bom a gente lembrar, mas sempre sabendo deixar para trás. Se possível, com poesia. Ninguém merece sofrimento sem beleza.

Vale a pena lembrar-se do que passamos. E, quem sabe, parar de cometer os mesmos erros. Gregório de Mattos, séculos atrás, explicou tudo:

“A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.”


E isso não é pouco. Mas não é tudo. Difícil explicar como chegarmos lá, e, especialmente, como lá permanecemos em estado catatônico por mais de uma década. Mas ainda bem que passou. Por isso, aqueles que já caíram ou já se foram, já foram homenageados pela sabedoria do Boca do Inferno:

“Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói, que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem sei eu que foi Vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois vá descendo do alto onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser home em baixo, do que burro em cima.”

Dai que agora que o antigo este finalmente velho, vale a pena olhar para trás uma ultima vez. Lembrar pelo que passamos, e torcer para não cometer erros repetidos. Ficar com o novo, por mais imprevisível que seja. E apostar na mudança e evolução continua e incremental. Sabendo que nada mudara de repente. Tudo toma tempo. E que existe boa chance de que os beneficiários das mudanças positivas de hoje ainda estão por nascer. Mas a alternativa é pior.

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