Todos sabem que eu não sou do tipo que se comporta como a Rainha de Copas: “Cortem-lhe a cabeça!” Não gosto, e já deixei isto claro, do uso da prisão preventiva como antecipação de pena ou como instrumento de persuasão em favor da delação premiada. Já critiquei algumas prisões — até apanhei de alguns leitores por causa disso. É do jogo. Quem participa do debate se expõe também à incompreensão. Dito isso, vamos lá.
Os quatro tinham sido presos pela Operação Saqueador, que apura desvios de R$ 370 milhões em obras públicas. O ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou na sexta que fossem libertados, com a condição de que usassem tornozeleiras eletrônicas. Mas oh!!! O artigo está em falta no Rio. Então o Tribunal Regional Federal da 2ª Região autorizou a soltura mesmo sem elas. Serão vigiados por agentes federais.
Nefi Cordeiro mandou soltar mais um neste domingo: o lobista Adir Assad. Atenção! Assad já tinha sido preso pela Saqueador, e a Justiça já havia determinado a prisão domiciliar. Continuou na cadeia porque foi um dos alvos de outra operação, a “Pripyat”, que apura lambanças de R$ 39 milhões na Eletronuclear.
Assad é um freguês da Justiça e da Polícia Federal. Ele já tinha sido preso na 10ª fase da Operação Lava-Jato, em março de 2014. Em dezembro, o STF lhe concedeu prisão domiciliar. O juiz Sérgio Moro o condenou a nove anos e dez meses de prisão por lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Decisão da Justiça se cumpre, por certo, mas se debate, por mais certo ainda. Já vimos o STF e o STJ negar mais de uma vez a revogação de prisões preventivas de investigados da Lava-Jato, certo? Os motivos mais frequentemente alegados são a “manutenção da ordem pública” — considera-se haver evidências de que, se solto, o preso vai voltar a cometer crimes — e a “conveniência da instrução criminal”; vale dizer: se em liberdade, podem interferir na produção de provas ou manipular testemunhas.
Muito bem! Se há coisa que temos o direito de inferir é que os veteranos em investigação Carlinhos Cachoeira e Fernano Cavendish não se emendaram, não é mesmo? O escândalo da Operação Monte Carlo não parece ter surtido grande efeito em suas respectivas moralidades pessoais — isso, claro!, a proceder a acusação que há contra eles.
O mesmo se diga de Assad: o homem já tem um condenação em primeira instância numa investigação e foi alvo de duas outras. Pode até ser o brasileiro mais perseguido pela Justiça que a gente conhece, mas, convenham, é muito pouco provável.
Assim, cumpre indagar: qual é o critério nesse caso? Os pedidos de prisão preventiva estavam mal fundamentados? Ou estamos diante de uma manifestação viciosa da discricionariedade, que não precisa prestar contas a ninguém? Notem que nem estou perguntando por que investigados de primeira viagem foram mantidos na cadeia. O que indago é por que esses foram soltos. Certamente não é por sua comprovada decisão de não voltar a delinquir, não é mesmo?
Quando os procuradores voltarem a falar em ameaças à moralidade pública, convém ajustar melhor o foco e olhar para a própria Justiça.
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