sábado, 16 de julho de 2016

Coronel Saruê vestido de vaqueiro: Lula, de Juazeiro (BA) a Carpina (PE)

Na simbólica cidade de Carpina, na Zona da Mata pernambucana, a 45 quilômetros da capital , mas região de histórica pobreza nordestina, desde os poemas de João Cabral de Melo Neto, apareceu praticamente do nada, nesta singular semana de julho, o ex-presidente da República e fundador do PT, Luiz Inácio Lula da Silva.

De repente, não mais que de repente: trajando camisa vermelha e, na cabeça, um típico chapéu de couro dos vaqueiros do sertão. Estampa demodê e extemporânea que mal consegue disfarçar o ar cansado e o discurso esvaziado de um Quixote que perdeu o rumo, um Brancaleone à frente de exército roto e sem destino certo (salvo um encontro provável com o juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, em Curitiba) ou do velho personagem de romance em busca do tempo perdido.

Mais constrangedor e patético impossível.

O cansaço e o abatimento se justificam, talvez, em razão das condições claramente adversas do ex-líder e senhor, quase absoluto, da política e do governo no Brasil, dos últimos 14 anos, nesta mais recente peregrinação ao Nordeste. Quase penúria, se comparada ao conforto, fartura e aconchego que antes recebia, dos grandes da política e dos negócios, onde pisava os pés. E dos afagos no ego que vinham dos pobres e pequenos nas ruas, nos comícios ou nas inaugurações.

Escrevo este artigo da Bahia, quando o viajante petista acaba de passar por Juazeiro, cidade baiana das minhas melhores lembranças de adolescente, à beira do Rio São Francisco. Onde o ex-presidente foi receber o título de cidadão honorário, proposto por um vereador do PT, e entregue sob as expensas da atual administração municipal do PC do B. O governador do Estado, Rui Costa (PT) o acompanha, a título de "inaugurar obras e assinar ordens de serviço". Ainda assim, a visita não passa "de um notável fiasco", na definição de um veterano radialista local, já aposentado da profissão, mas ainda experiente e antenado nas repentinas oscilações dos jogos de poder local, estadual e federal.

Provavelmente movido pela ilusão nostálgica de reviver momentos apoteóticos de outras passagens pelo lugar – por exemplo quando, na manifestação, um garoto carregado nos braços do pai agricultor é levado, por cima da multidão, para abraçar o visitante ilustre no palanque. Imagem que virou peça de propaganda crucial, no Nordeste, na campanha de reeleição ao Palácio do Planalto - o PT, Lula e seus aliados e propagandistas, que restaram, escolheram Juazeiro para abrir o roteiro desta nova viagem ao antigo celeiro seguro de votos.

Ledo e triste engano. Desta vez, os fatos e as imagens da visita, mais parecem o cenário do samba "Notícias de Jornal", de Chico Buarque, ainda fiel seguidor do viajante. "O lar não mais existe/ Ninguém volta ao que acabou/ Joana é mais uma mula triste que errou”. O cerco agora parece se fechar cada vez mais. Amigos ricos, antigos aliados poderosos e fundamentais da política e da propaganda estão na cadeia ou em palpos de aranha, com a polícia e a justiça no encalço. A afilhada Dilma Rousseff, o poste que Lula e o PT colocaram no Palálacio do Planalto, para facilitar o retorno do , está afastada do mando e se perde cada dia mais no labirinto em que se meteu e nas armadilhas que segue construindo para si mesma.

O poder se esfacela e se esvai como a areia fina da praia da Ilha do Fogo, na divisa da ponte entre Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), no Velho Chico da novela do coronel Saruê, escorrendo entre os dedos. Para culminar, na madrugada desta quinta-feira, 14, o deputado Rodrigo Maia, do DEM do Rio de Janeiro, foi eleito para o lugar de Eduardo Cunha no comando da Câmara. Portanto, um adversário mais jovem, mais inteligente, mais hábil, com mais jogo de cintura político, inesperado e, provavelmente, mais devastador ainda para os planos futuros de Lula, Dilma e do PT. A conferir.

A notícia apanhou Lula no encerramento do périplo nordestino: Juazeiro, na Bahia, Petrolina, Carpina, Caruaru e Recife, em Pernambuco. "Foram essas as cidades escolhidas pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva para retomar seu caminho de volta ao Palácio do Planalto, em 2018 ou até antes disso, caso a crise política desemboque em eleições antecipadas”, diz um site porta-voz do lulismo e do PT (investigado pela Lava Jato) na reportagem sobre a viagem, ilustrada com a imagem de Lula de camisa vermelha e chapéu de vaqueiro na cabeça. Em Carpina, voz trôpega e ar visível de cansaço, o petista ameaça e manda recado com as forças que lhe restam: "Se eles não sabem governar sem privatizar, eu sei”. Ou: “Se eles quis erem reduzir os direitos do povo brasileiro a pó, afastando de vez a companheira Dilma, eu digo: ”não me provoquem, porque eu posso voltar”.

Inevitável a comparação com o estágio atual da novela “Velho Chico”. O poderoso coronel Saruê, antigo senhor do poder, da política, das coisas e das pessoas, bradeja às tontas e em desespero, à medida que vai ficando cada vez mais só: sem poder mandar como antes nos velhos parceirose antigos aliados, no delegado, no juiz, no prefeito, abandonado pelo filho, pelo neto, atraiçoado pelo genro deputado e sem voz altiva nem mesmo com o jagunço, cão fiel de todas as horas. O desfecho se aproxima e não parece prenunciar boas coisas: para o Saruê e para Lula, a deduzir pelos sinais desta semana, incluindo a viagem do fundador do PT ao Nordeste, a eleição de Rodrigo Maia na Câmara, e a conferência do juiz Sérgio Moro, condutor da Lava Jato, em Washington. Mas isso é outra história, a conferir com o tempo, senhor da razão.

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