sexta-feira, 29 de julho de 2016

Como uma cidade de 2 mil habitantes conquistou o maior IDH de educação

Se a interiorana Águas de São Pedro recebesse a Maratona Internacional de São Paulo, os atletas teriam de percorrer o município inteiro seis vezes para completar a prova. A cidade, um balneário turístico de águas medicinais, é a segunda menor em extensão territorial do país, com 3,6 quilômetros quadrados, atrás apenas de Santa Cruz de Minas, em Minas Gerais. Com cerca de 3.000 habitantes, grande parte de aposentados, Águas de São Pedro figura um outro dado, no mínimo, curioso. É o município com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na área da educação do país, indicador apurado pela Organização das Nações Unidas (ONU): 0,825 (em uma escala de zero a um). O IDH de educação mede a quantidade de anos de estudo dos adultos e a expectativa de anos de escolaridade das crianças. Não é apenas nesse quesito que a cidade se destaca, contudo. No ranking geral da ONU, a cidade tem o segundo maior IDH do país (incluindo índices de saúde, educação e renda). Águas de São Pedro perde somente para São Caetano do Sul (SP) em IDH municipal.


Na cidade, que no passado era só um bairro do vizinho São Pedro, é possível encontrar mais ônibus escolar do que municipal. Aliás, literalmente só existe um ônibus circular para os água-pedrenses. E ele é gratuito. Todos se conhecem, e é esta é uma das maiores vantagens de gerenciar a única escola da cidade, a Emef Maria Luiza Fornasier Franzin, segundo João Paulo Pontes, coordenador pedagógico. “Se o aluno falta, vamos buscá-lo em casa, vamos onde os pais trabalham, vamos em qualquer lugar que a criança possa estar - e geralmente já sabemos onde seria”, conta. Ele garante que, graças a isso, o índice de evasão escolar é nulo.

Claro que a estratégia não é aplicável nas grandes cidades, mas muitas das outras ações que a escola pratica, e que lhe garantem destaque no ranking educacional, podem servir de exemplo para realidades geográficas diferentes. A escola, por exemplo, trabalha com aulas em período integral, um sistema que é bastante difundido em colégios de primeiro mundo e amplamente defendido por movimentos ligados à educação no Brasil. De manhã, aulas do currículo padrão. À tarde, aulas de línguas, artes marciais, dança, pilates, futebol, robótica e até culinária - a favorita dos alunos, conforme destaca Pontes.

A escola que possui o maior IDH de educação do país está longe de parecer uma instituição do futuro. Pelos corredores, não voam drones feitos pelos alunos, nem robôs. Acima de tudo, parece com uma escola pública tradicional, com carteiras enfileiradas e lousa. Mas o cenário engana. uma das apostas para se manter na liderança do ranking é o uso da tecnologia como ferramenta de ensino.

Os 767 alunos possuem um netbook para realizar as tarefas. “A tecnologia nos permite integrar conteúdos de disciplinas diferentes, de trabalhar aulas mais multidisciplinares, e a tornar o aprendizado um pouco mais interessante para os alunos, pois a forma como o conteúdo é apresentado conversa melhor com a realidade deles”, acredita Pontes.

Um exemplo está na aula de matemática do professor Victor Pereira, de 26 anos. Os alunos do quinto ano do fundamental, sentados em grupos, resolvem juntos no computador exercícios de fração e dízima periódica. Na plataforma gratuita do MIT, a Khan Academy, montam pizzas, trabalho que vai ficando mais difícil conforme forem resolvendo os desafios. “Cada grupo trabalha no seu ritmo e até ajuda os colegas que não conseguem passar de fase. Me chamam raramente para ajudar. Ainda que estejam no computador, estão concentrados, se divertindo. E ninguém para para ver o Facebook”, afirma. Para o professor, a vantagem da tecnologia está em deixar um conteúdo abstrato mais visível para o aluno. Também é possível trabalhar com crianças em estágios diferentes de conhecimento numa mesma sala. “A aprendizagem acaba se adaptando à necessidade do aluno, sem atropelá-lo”, complementa.

O computador - ou o smartphone, dispositivo que a escola também utiliza como material de pesquisa em aula - pode ser levado para além dos muros do colégio. “Toda semana levo os alunos para o mini-horto da cidade, que fica ao lado da escola, para atividades ao ar livre. Na última atividade que fizeram, eles tinham que caçar QR Codes que eu espalhei pelas árvores para resolver equações”, complementa o professor.

Para o ano que vem, a escola pretende implementar um modelo de aprendizado por projeto, inspirada na Escola da Ponte, de Portugal, que, desde os anos 1970, tornou-se referência em educação com uma filosofia mais construtivista de ensino. “Hoje, falta muito as escolas perguntarem para os alunos o que eles querem aprender”, defende o coordenador pedagógico. Segundo ele, o ensino no Brasil ainda se pauta no tradicional modelo de explicar um conteúdo e, só depois, assimilá-lo à realidade. No aprendizado por projeto, inverte-se a lógica. “Partimos de um projeto prático para ensinar conceitos do currículo básico, o que faz com que o aluno entenda o porquê de estar aprendendo determinados assuntos”, destaca João Paulo Ponte.

Mas ser a única escola da cidade também tem o seu lado negativo. “Não há outra opção de escola para os filhos, então toda a estratégia pedagógica precisa ser muito mais cautelosa. As inovações precisam ser implantadas aos poucos”, afirma Ponte. O coordenador não informou números, mas garantiu que desde que passou a liderar o ranking de IDH educacional, em 2010, a escola está recebendo pedidos de matrículas de cidades ao redor, como São Pedro.

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