segunda-feira, 27 de junho de 2016

Sistema carcomido

Constituem erro analítico os diagnósticos taxativamente apocalípticos. Um médico pode diagnosticar um paciente como terminal e, por alguma particularidade metabólica, o organismo deste paciente vir a apresentar uma capacidade de regeneração não prevista, mas própria do instinto de sobrevivência. O mesmo ocorre com diagnósticos políticos e econômicos. Todavia o “histórico do paciente” é sempre uma variável a ser considerada.

No caso brasileiro, os diagnósticos terminais não se comprovaram, mas o histórico é ruim. Este aponta para mutações constantes, transplantes e amputações, que se fazem necessários em momentos de crise aguda. A título de exemplo, temos o “transplante” do federalismo americano na Proclamação da República e a “amputação” do multipartidarismo em 1966.

Não se pode deixar de observar que a atual crise inspira cuidados, mas apresenta diagnóstico oposto entre os próprios cientistas políticos. Alguns falam em golpe, outros falam em pleno funcionamento das instituições. Há, no entanto, diagnósticos que permeiam as “especialidades” e procuram uma visão mais “holística”.



Estes diagnósticos partem do princípio de que estamos diante de uma falência do sistema de representação política, tendo em vista que o financiamento ilícito abrange todos os partidos, gerando tanto a atrofia da relação entre Executivo e Legislativo, por meio da implosão da engrenagem do presidencialismo de coalizão, quanto a necessidade de um poder moderador e o protagonismo dos atores sem mandato, mais especificamente da Polícia Federal e do Ministério Público.

O dinheiro ilícito para o financiamento dos partidos e das campanhas — amplamente divulgado pelos áudios e delações — mostra um sistema carcomido, tal qual um quadro de infecção generalizada. Mesmo a provável “amputação” do PT através do impeachment, como já mencionei em outros artigos, não é suficiente para sanar um organismo já contaminado pelo parasitismo de 30 anos do PMDB, que foi sócio majoritário de todos os governos pós-1990.

Diante desse histórico, seria demasiadamente ingênuo acreditar que a reforma política possa ser o “tratamento” capaz de purificar o organismo e mudar seu metabolismo de tal forma que este adquira imunidade completa contra a corrupção. Resta saber qual será a fórmula pela qual nosso sistema absorverá tantos descalabros e produzirá respostas compatíveis com um paciente que convive com uma doença incurável, mas que pode ser mantida sob controle.

Gustavo Müller

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