domingo, 5 de junho de 2016

A morte do Brasil velho

Há certas coisas que continuam mais ou menos como eram 2.500 anos atrás, ou algo parecido. Dos tempos da Grécia antiga nos vem, por exemplo, a história de Diógenes, o filósofo da escola cínica que andava pelas ruas de Atenas carregando uma lanterna em plena luz do dia. Quando alguém lhe perguntava “para que isso, Diógenes?”, ele respondia “para ver se eu encontro um homem honesto em Atenas”. Troque-se a Atenas de Diógenes pela Brasília de hoje e não vai ser preciso muito tempo para concluir que as dificuldades da vida pública não mudaram grande coisa de lá para cá. É claro que havia muita gente honesta na Grécia, como há muita gente honesta no Brasil. Mas o filósofo, com sua lanterna, estava apenas dando um aviso sobre as realidades da política — particularmente sobre o problemaço que é encontrar pessoas honestas em quantidade suficiente para construir uma vida pública de qualidade superior. Falta gente, eis aí a imensa complicação — ou melhor, falta gente que seja ao mesmo tempo impecável do ponto de vista ético e disposta a entrar de corpo e alma nas ásperas necessidades da política como ela é. No terremoto que vem devastando a existência dos políticfos brasileiros há mais de um ano, e que começou a se formar muito antes disso, está cada vez mais claro que o país vive uma extrema escassez de justos. Onde estão?


Eis aí, no clamoroso episódio do senador Romero Jucá, a última comprovação de que tudo está mesmo muito difícil. Acaba de ser colocado no olho da rua, oficialmente em caráter ainda provisório, o governo mais corrupto de toda a história do Brasil, nas modalidades ativa e passiva — não se trata de uma opinião, mas de um fato estabelecido por números, confissões públicas, perícias, documentos, gravações e toda uma coleção de acontecimentos indiscutíveis que, no conjunto, já renderam 1.000 anos de condenação a penas de prisão. Em seu lugar entra outro que, apesar de todo o pavor instalado no mundo político — e das consequentes cautelas para evitar nomes com potencial de complicações judiciárias —, não consegue atravessar seus primeiros dias sem ter de mandar embora um ministro de Estado. O nome anunciado para substituí-lo no cargo também faz parte dos grupos de risco. Outros, por suspeitas diversas, nem chegaram a ser nomeados. Outros tantos, ainda, vivem diariamente na expectativa de ser formalmente acusados de algum delito — para não falar de todos os que já foram denunciados, encontram-se sob investigação judicial ou estão sendo processados. É óbvio que há muitos homens perfeitamente íntegros no presente governo, e é óbvio que há um abismo de diferenças, em termos de moral comum, entre os governantes que acabam de entrar e os que acabam de sair. Mas é igualmente óbvio que não existe a segurança ética que deveria existir, num momento em que a paciência do Brasil com acusações de má conduta é mínima e a morte política virou mal súbito.

Isso tudo parece provar que as coisas vão muito mal, como nos tempos de Diógenes, e realmente vão. Ao mesmo tempo, podem estar indo melhor do que jamais foram. Aconteça o que acontecer, há no Brasil um fenômeno historicamente inédito e que se chama Operação Lava Jato. Em consequência direta de suas investigações e do abalo termonuclear que causou na corrupção nacional, até há pouco dada como invencível, todo um Brasil velho está morrendo, como morreram um dia o Império Romano, a colonização da África e o comunismo na Rússia — não há volta possível para nada disso. O ministro Jucá foi ejetado do governo e devolvido ao Senado Federal por causa de gravações em que aparece tentando esfriar a fornalha da Lava Jato. Não apenas foi um erro fatal — ele estava tentando fazer algo impossível. É este, na verdade, o problema sem solução para os políticos do país que está sendo desmontado — os de agora e, mais ainda, os que foram despejados. Nem eles, nem os tribunais mais supremos, nem as organizações mais poderosas têm hoje condições de “parar a Lava Jato”. Há um outro país aí.

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