quarta-feira, 6 de abril de 2016

Vivandeiras e provocadores

Em momento tão conturbado da vida política nacional é importante registrar um fato: a crise, ao menos por enquanto, passa ao largo dos quartéis. É irrelevante aqui discutir se isto acontece porque os militares já não têm a mesma força política de 1964, ou porque a comunidade internacional e os brasileiros não aceitam mais soluções fora do escopo do Estado de Direito Democrático.

Importa mesmo é a valorização do fato objetivo: ao contrário do que aconteceu até meados da penúltima década do século passado, quando as intervenções militares ocorreram aos borbotões, as Forças Armadas se dedicam hoje às suas funções profissionais e constitucionais.

Com toda a crise ética, econômica e política, não tivemos, até o momento, episódio de monta de quebra da hierarquia e da disciplina - pedra angular de qualquer instituição castrense do mundo. Isso é positivo. É um indicativo de que a corporação militar vem respeitando o pacto estabelecido em 1985, na transição democrática. Preservar essas conquistas, evitar que a crise contamine os quarteis, são desafios colocados à nossa frente pelo momento político atual.


Nas crises, os extremos afloram. É o que assistimos agora. De um lado, segmentos da sociedade cada vez mais desencantados com a política formal, assumem o discurso do ódio, do neomarcatismo e sonham com a volta dos militares ao poder.

O lulopetismo, ao promover o assalto aos cofres públicos e fazer tábula rasa dos valores éticos, conseguiu a proeza de fazer ressurgir uma base social, ainda que pequena, de extrema direita. Aplainou o terreno para o retorno das vivandeiras; figuras que antigamente viviam a rondar os quartéis.

De outro lado, a autointitulada “base popular” do governo rasga a fantasia. Radicaliza seu discurso, ameaçando tocar fogo no país, caso o impeachment da presidente Dilma Rousseff prospere. Adota também o discurso do ódio. Aposta suas fichas num clima de confronto, na crença de que a presidente, se não for impedida, instituirá, finalmente, um “governo popular”.

Mais grave: a própria presidente aposta na conflagração política e social como tábua de salvação. Para safar-se, transformou o Palácio do Planalto em palanque político.

Como se não bastasse o aparelhamento, essa confusão entre público e privado, entre partido e Estado, a presidente dá provas de desrespeito à liturgia do cargo ao consentir que, em um ato oficial, haja a incitação à violência e a ruptura com direitos assegurados pela Constituição, como o da propriedade, e do livre exercício do mandato dos parlamentares. Sob seus olhos, radicalóides de plantão agridem e afrontam a soberania do Poder Legislativo.

A presidente não desrespeita apenas a liturgia, mas também o próprio conceito de hierarquia. Como maior autoridade do país, jamais poderia ter permitido que o representante da Contag, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, pronunciasse, em sua presença e no interior do Palácio do Planalto: "Vamos ocupar as propriedades deles, as casas deles no campo. Vamos ocupar os gabinetes, mas também as fazendas deles”.

É uma bravata, sabemos. Até porque as Forças Armadas estão aí para cumprir sua função de garantir a ordem, conforme determina a Constituição. Mas provocações dessa natureza são absolutamente dispensáveis e só revelam o descompromisso democrático dos extremistas de plantão.

Não há o menor sentido em se testar a capacidade dos militares de engolir sapos. Ou de tentar atraí-los para a crise, que já é suficientemente grave. 

Que as vivandeiras e os provocadores deixem as Forças Armadas em paz. A democracia agradece.

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