Treze anos depois de ser governo, e no momento mais dramático da crise terminal de seu projeto de poder, o lulopetismo tem suas casamatas nas unidades da federação menos desenvolvida, onde a dependência do Estado marca a ferro e fogo a população e seus representantes, os parlamentares.
A ironia é exatamente essa: o partido que se propunha ser a força transformadora da sociedade é hoje um partido não mudancista e atrasado, perpetuador da forma ossificada de se fazer política. Está de costas para o agronegócio, para a economia real e seus trabalhadores e para a classe média moderna - urbana e rural. Isto explica porque os melhores desempenhos eleitorais da presidente Dilma Rousseff foram no Nordeste e em Estados governados pelo PT.
Aonde o capitalismo chegou e se instalou plenamente, o Partido dos Trabalhadores perdeu substância. Hoje exerce influência nos movimentos sociais ainda não incorporados à economia moderna, como o MST, principalmente o do Nordeste e Norte, onde a bandeira da reforma agrária ainda tem apelo, e nos excluídos da modernização urbana; como o exército de subproletariado do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
Para entender este definhamento, essa transmutação em um “partido dos grotões” e dos “bolsões de miséria” há que se mergulhar no tempo.
Para chegar ao poder, Lula selou um contrato, através da Carta aos Brasileiros. Elegeu-se acenando com um jogo de ganha-ganha. Verdade que os de cima ganharam bem mais e aos de baixo sobrou a menor parte do bolo: a ampliação da rede social de proteção e dos programas sociais distributivistas.
A luz amarela acendeu para as classes médias urbanas, com o escândalo do mensalão. Ali trincou o cristal. As camadas médias começaram a perceber o engodo do discurso do “é diferente de tudo que está aí”. Descobriram que o PT fez coisa muito pior, inovou em matéria de assalto à coisa pública.
O boom das commodities permitiu Lula ir em frente. Tudo ia bem no país das maravilhas. Ali por 2010, as aparências, essa face enganosa das coisas, indicavam o Brasil como o grande país emergente, estável econômica e politicamente, com status de reivindicar um assento no Conselho de Segurança da ONU e futura sede de dois eventos mundiais: a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas 2016.
A autoestima do brasileiro estava lá em cima, como demonstra as palavras de um jovem, em uma entrevista de 2011: “O Brasil está muito mais posicionado no mundo do que estava há alguns anos. É uma valorização daquilo que é brasileiro, voltado para o Brasil. Isso faz com que essa geração tenha um sentimento muito maior de ser brasileiro”.
O gigante tinha pés de barro.
A bolha das commodities passou. O lulopetismo desperdiçou uma oportunidade de ouro para universalizar os direitos sociais básicos - saúde, educação e saneamento - e promover a cidadania dos excluídos. Em 2013, a sociedade deu seu recado quanto à sua insatisfação e seu cansaço com a baixa qualidade dos serviços públicos e com a forma de se fazer política no país, cujas mazelas foram elevadas ao infinito nos governos Lula-Dilma.
Nas eleições de 2014 já era visível o deslocamento de parte substantiva da sociedade, particularmente nos polos desenvolvidos do país. Dilma perdeu a eleição até mesmo no “cinturão vermelho” do entorno de São Paulo e na outrora cidadela do petismo, o ABC paulista.
O arrefecimento da crise ética, econômica e política destes dois últimos anos horizontalizou o fosso entre o lulopetismo e a sociedade. Ele não se resume apenas às camadas médias, perpassa todas as classes sociais e todas as regiões. Há uma coincidência interessante a ser observada. Em média, o governo Dilma é desaprovado por algo e m torno de 70% a 75% dos brasileiros. Pois bem, a presidente foi derrotada na Câmara por 73% dos deputados.
A conclusão do enrosco é que Lula e Dilma prestaram enorme desserviço à própria esquerda. Jogaram o pêndulo da sociedade para a direita, tiraram da toca a extrema direita, que estava sem espaço desde a democratização de 1985. Serão necessários v& aacute;rios anos para que um novo projeto de esquerda, mesmo de uma esquerda democrática, galvanize o conjunto da sociedade.
Não há dois Brasis, um avançado e outro atrasado. Não são dois rios distintos que jamais se encontram. Corremos todos no mesmo leito. E é impossível um “partido dos grotões” impedir o curso das águas.
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