Trabalhadores despedidos do Centro Cultural Kirchner protestam na quinta-feira na porta do estabelecimento. Ricardo Ceppi |
Na Argentina os funcionários públicos fantasmas são chamados de nhoques; são colocados pelos partidos e só comparecem um dia por mês para receber. São chamados assim porque o nhoque, prato típico italiano, é habitualmente servido no dia 29 de cada mês nos restaurantes portenhos, o dia em que os salários são pagos. O macrismo começou seu ajuste garantindo que todos os demitidos são nhoques, pessoas contratadas por nepotismo. Mas nem todos estão de acordo, principalmente os afetados e alguns sindicatos, que temem que este seja o início de uma onda de cortes muito mais profundos.
“Isto não é um ajuste ideológico neoliberal, não tem nada a ver com o debate estado grande-estado pequeno. Só estamos colocando ordem. Houve abusos em todos os lugares. Eles entraram sem processo de seleção, em muitos casos não fizeram sequer entrevistas, fomos procurá-los e não estavam”, disse ao EL PAÍS Hernán Lombardi, Ministro de Meios Públicos e responsável pela decisão de não renovar o contrato de 85% do pessoal do Centro Cultural Kirchner, que por enquanto está fechado. Lombardi espera poder reabri-lo em fevereiro para visitas e em março com programação e novos funcionários.
A inauguração desse centro, em maio — uma joia que custou 3 bilhões de pesos (cerca de 865 milhões de reais) e que segundo com Lombardi “está chamado a ser o maior centro cultural no hemisfério sul” — foi um marco do kirchnerismo, com uma sala dedicada a Néstor, que morreu em 2010, e outra a Evita Perón. Mas de acordo com Lombardi foi inaugurado com as obras ainda inacabadas e estava cheio de funcionários próximos da militância kirchnerista e da Cámpora, a organização dirigida por Máximo, o primeiro filho do casal Kirchner. Agora estão na rua e protestam, mas têm poucas possibilidades de voltar. Lombardi diz que o centro não morrerá e por enquanto não se cogita uma mudança de nome, mas o governo fará mudanças profundas e terminará as obras.
Outro sinal de que a coisa é séria chegou ao Senado, onde Macri não tem maioria, mas tem a presidência que, pela Constituição, corresponde a Gabriela Michetti, a vice-presidente do país e grande referência do macrismo. Michetti demitiu 2.035 pessoas contratadas pelo kirchnerismo com tanta rapidez que agora terá de readmitir um grupo de 43 pessoas com deficiência dentro de um programa de integração que entraram como penetras entre os supostos nhoques.
A questão preocupa os sindicatos. Pablo Micheli, secretário-geral da Confederação de Trabalhadores da Argentina (CTA), distante do kirchnerismo, adverte: “Estamos de acordo com as demissões dos nhoques, mas cuidado com medidas não acordadas com os sindicatos, estão fazendo tábula rasa e cometendo erros como no Senado com os deficientes. Se por trás de tudo isso há um plano para reduzir tamanho do estado argentino, que já é pequeno em comparação com outros países da região, certamente haverá conflito”.
“O Estado não é uma bolsa de trabalho, não tem que pagar uma quantidade enorme de militantes de algum partido político”, disse Michetti para defender sua decisão. De acordo com seus dados, com seu antecessor, o kirchnerista Amado Boudou, a folha de pagamento do Senado cresceu 80% e o número de funcionários dessa instituição aumentou 146%.
Michetti foi a primeira de uma série. Agora virão os ministérios mais importantes e as empresas públicas. A operação está sendo coordenada pelo ministério da Modernização, dirigido por Andrés Ibarra. Dentro de três meses terão um relatório detalhado, mas os dados de que dispõem já apontam que entre 2012 e 2015 entraram 60.000 pessoas na administração com contratos temporários e 25.000 delas chegaram em 2015, na última etapa. E isso sem mencionar as empresas públicas, apenas na administração. “Nos últimos três anos, as contratações aumentaram entre 40% e 50% em relação aos triênios anteriores. Regularizar os nhoques é uma falta de respeito com os funcionários que trabalham”, afirma Ibarra.
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