Estive ontem com o doutor Adib Jatene, e ele contou que a participação do banco BTG Pactual na rede de hospitais D'Or estaria sendo vendida por algo como R$ 2 bilhões. Nesse caso, o negócio todo vale uns R$ 20 bilhões. Puxamos pela memória e vimos que o Brasil deve ter uns quatro bilionários (em dólares) que fizeram fortuna no setor de saúde. Estranha estatística. No Brasil, os bilionários são donos de hospitais ou atuam na área da saúde. Nos Estados Unidos, os bilionários dão nome a hospitais que lembram suas atividades filantrópicas. O Langone e o Sloan Kettering Memorial, em Nova York, por exemplo.
Seria de supor que a saúde no Brasil estivesse muito bem, porque, em 1892, quando me formei em medicina, não havia dono de hospital rico. Nem quando o Jatene se diplomou, em 1953. As coisas aí vão de pior a péssimas. Se vos faltasse alguma desgraça, o Brasil tem uma nova epidemia, transmitida pelo meu velho conhecido, o mosquito Aedes aegypti.
Ele empesteava o Rio de Janeiro no início do século 20, transmitindo a febre amarela. Tive mão forte do presidente e fumiguei a cidade. Não se empregavam apaniguados na saúde pública. O conselheiro Rodrigues Alves nomeou um médico sem consultar-me. Levei-lhe minha demissão e ele desfez o ato.
A relação entre o mosquito, o vírus zika e complicações neurológicas foi sugerida em 2013. No sábado passado, o seu Ministério da Saúde anunciou que o zika matara uma criança no Ceará e reconheceu a suspeita de que tenha provocado 1.248 casos de microcefalia em bebês. Disparou-se um mecanismo neurastênico, como se a calamidade estivesse no vírus. Ela não está no zika, mas na saúde pública.
O seu diretor do departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis disse o seguinte: "Não engravidem agora". Bem que a senhora poderia avisar às brasileiras quando a gravidez deixará de ser arriscada. Levado ao pé da letra, meu colega extinguirá nossa população.
O zika provoca distúrbios neurológicos em adultos, homens, mulheres e mesmo em bebês. Alguns podem ser leves, outros, graves. Desde o ano passado havia médicos trabalhando com a informação de que o vírus chegara ao Brasil. Ele estava aí e posso lhe dizer que no primeiro semestre um paciente nordestino foi diagnosticado, até mesmo em São Paulo, com diversas suspeitas, menos zika. Era.
Isso é produto do descaso de um sistema de saúde onde os mosquitos parecem fazer parte do mundo dos pobres. O Aedes continua transmitindo dengue. Neste ano, já pegou 1,5 milhão de brasileiros e esse número virou uma simples estatística. É elementar que o zika atingiu também adultos, diagnosticados sabe-se lá com o que.
Haverá quem pense que os clientes de hospitais de bilionários estarão livres do risco. É verdade que existem doenças de pobres, mas o Aedes não trabalha com reserva de mercado. O problema está onde sempre esteve: no mosquito e na ideia de que ele só pica pobre. Ele nos trará mais surpresas.
Termino com um pedido: troque o nome de todas as ruas que levam o meu nome para "Rua do Mosquito". Enquanto ele matar brasileiros, o venerável Instituto Oswaldo Cruz terá o nome da praga: "Instituto Aedes Aegypti". Assim, em vez de exaltar uma glória que não temos, lembraremos de um problema que não resolvemos.
Saúda-a o patrício,
Oswaldo Cruz
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