sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Tutti buona gente

Ultimamente as notícias vindas de todos os lados são tão ruins que conferi-las é um convite ao pesadelo
Cerca de três da manhã de terça-feira. Depois de dar comida para os gatos e de trocar a sua água, resolvi voltar para o computador e para a internet, para ver como estava deixando o mundo antes de ir dormir. Não tem sido fácil fazer isso ultimamente; as notícias vindas de todos os lados são tão ruins que conferi-las é um convite ao pesadelo. Desta vez, o que me tira o sono são mais artigos e ensaios sobre o Estado Islâmico, sobre os refugiados sírios, sobre as atrocidades na África, sobre essa tragédia indescritível que aconteceu em Minas, sobre as escolas de São Paulo e as bibliotecas do Rio; e a foto sinistra e mal iluminada de nove homens de pé, diante de uma mesa.

O da esquerda confere alguma coisa no celular. É o governador Pezão. Os outros são Eduardo Paes, Pedro Paulo, o espancador, que fala a um microfone, Picciani, Sergio Cabral. O último da direita está escondido; o destino me poupou de reconhecer os demais. Já vi essa cena antes, muitas e muitas vezes, nos livros de História, nos jornais, em documentários e filmes. A postura de todos, do descolado Paes, de mãos no bolso, ao ameaçador Picciani, que apoia os dedos na mesa e olha para a frente como quem pergunta “Vai encarar?” é a mesma que o primeiro grupo de trogloditas ostentou na primeira caverna — os machos da espécie cerrando fileiras em torno de um elemento ameaçado, avisando à comunidade que todos ali são irmãos em armas, parças, brothers para o que der e vier.

Ninguém precisa de legenda para entender a foto do ato de desagravo que o PMDB carioca fez ao secretário-executivo da prefeitura do Rio de Janeiro: ali está um grupo de velhos coronéis defendendo o seu latifúndio, um conjunto de senhores feudais garantindo os seus privilégios. O recado que ela transmite está errado em tantos níveis que não dá nem para começar a enumerar. A sensação predominante que desperta é asco.

Não é mais aceitável que homens eleitos para representar a população estejam tão em desacordo com a sua cidade e tão desatentos ao espírito do seu tempo; não é mais aceitável que desprezem dessa forma os seus eleitores, e que desafiem com tal soberba a opinião pública.

Já tivemos muitos governadores inqualificáveis, mas Pezão atingiu um novo patamar de sordidez ao classificar autos lavrados em delegacias como “fofocas”; Eduardo Paes, que se quer tão moderno, fala com uma voz saída da profundeza dos séculos quando diz que as agressões de Pedro Paulo à ex-mulher “foram uma coisa de casal, que aconteceu entre quatro paredes”.

A maioria dos crimes, prefeito, acontece entre quatro paredes.

Nenhuma figura da foto, contudo, é mais patética do que o próprio Pedro Paulo, tão pouco à vontade no papel de homem de bem que o PMDB insiste em lhe atribuir. Fora do partido, que vive numa espécie de universo paralelo ancorado nas piores práticas políticas, ninguém mais consegue olhar para ele sem sentir repulsa — não apenas pelos socos e pontapés desferidos contra a mulher a quem traiu, mas também pela mentira contada na cara dura para garantir uma carreira já agonizante, apesar do apoio execrável dos seus lamentáveis padrinhos.

Dizem que havia mulheres na sala onde foi tirada a foto sinistra e que elas também manifestaram apoio ao espancador, aplaudindo-o e gritando palavras de ordem. Vi manifestações de espanto em relação a isso nas redes sociais, mas não entendi o motivo. O que esperar de uma pessoa que se filia ao partido de Eduardo Cunha e de Renan Calheiros, de José Sarney e de Jader Barbalho? Ser mulher não é garantia de decência, sensibilidade ou bons propósitos.
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O mais triste é que, até outro dia, eu tinha boa impressão de Eduardo Paes. Ele conquistou a minha simpatia ao derrubar o viaduto da perimetral, uma das obras mais equivocadas e antiestéticas jamais realizadas no Rio, e ao voltar a sua atenção para áreas antes esquecidas da nossa cidade. Isso fez dele, aos meus olhos, um administrador moderno e audacioso. Um dia até almoçamos juntos; foi uma tarde muito agradável.

A minha ilusão de que ele poderia ser um político mais antenado com a atualidade, porém, que já tinha ficado seriamente abalada quando ele se alinhou com a máfia dos táxis contra o Uber, acabou por completo com a defesa intransigente que tem feito do seu secretário — uma defesa antiga, machista, vinda de um mundo e de um tempo que já não deveriam ter lugar.

Em entrevista ao meus colegas Alan Gripp e Jeferson Ribeiro, ele disse que as surras que Pedro Paulo dava na mulher são assunto de família, e que o que deve valer para o eleitor são as suas propostas para a cidade.

Sem perceber, o dinâmico Paes, que cultiva uma imagem tão aggiornata, acaba de ressuscitar, em nova roupagem, uma variante cafajeste do velho “rouba mas faz” — que, ao longo das décadas, só serviu para desmoralizar a política e afundar o país.

Que decepção.

Cora Rónai

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