Você entra numa loja para comprar um par de meias. Já está sacando o cartão de crédito quando o vendedor sugere: se pagar à vista, em dinheiro ou cheque, tem 10% de desconto.
Como você se sente? Ofendido porque o vendedor está lhe impondo um desconto? Ou interessado, e até agradecido porque o comerciante oferece uma oportunidade de pagar menos pelo mesmo produto?
Qualquer pessoa de bom senso entende que se trata de uma oferta vantajosa para o consumidor. E de livre escolha. É o livre mercado funcionando tanto para o consumidor, que escolhe como pagar, conforme seu interesse, quanto para o comerciante.
Errado. Para o Superior Tribunal de Justiça, esse comerciante é um criminoso. Qual o crime? Grave: prática abusiva, infração à Ordem Econômica “mediante imposição diferenciada de preços”.
Não fica claro se o consumidor que aceita o desconto, quer dizer, que se submete ao desconto imposto, também é um criminoso.
Também não fica claro se o consumidor que pede o desconto já está cometendo um crime.
Imaginem a situação: comerciante e consumidor em cana porque combinaram um desconto.
Ou o comerciante chamando o Procon, o Ministério Público e a polícia, para denunciar: esse desclassificado quer pagar à vista e pediu um desconto.
Até a decisão de 6 de outubro último, tribunais ainda aceitavam a possibilidade de desconto. Mas, com o voto do ministro Humberto Martins, aprovado por unanimidade, o STJ passou a considerar abusiva essa prática. Há duas teses básicas: não se pode discriminar o consumidor que paga com cartão de crédito; e pagar com cartão é o mesmo que pagar à vista.
A decisão tem o propósito de defender o consumidor e o comércio justo.
Faz exatamente o contrário. Prejudica o consumidor e beneficia sabe quem? A indústria do cartão, ou seja, as instituições financeiras, emissoras e administradoras dos cartões.
Aliás, na decisão de 6 de outubro, o ministro Herman Benjamin observou que nova jurisprudência prejudica especialmente o mais pobre que quer pagar menos. Benjamin, entretanto, votou com o relator, contra o desconto, admitindo que assim determina a lei.
Dizem advogados que se trata de um caso típico em que a lógica jurídica se opõe à econômica. Mais do que isso: se opõe ao bom senso, tolhe a liberdade individual de negociar e obter o melhor resultado.
É incrível que seja preciso explicar, mas vamos lá. O cartão de crédito não sai de graça para ninguém.
O consumidor paga taxas, anuidades ou, a maior facada, morre com as mais absurdas taxas de juros do mundo se parcelar a fatura mensal.
Já por aí fica evidente que a situação real é exatamente o contrário do que decidiu o STJ: pagamento com cartão nunca é à vista. São custos e preços diferentes.
O comerciante também paga. Morre com taxas até pelo uso da maquineta. E as emissoras do cartão ainda se recusam a trabalhar com a mesma maquininha, impondo, aqui sim, um custo extra ao comerciante. Este paga também uma conta de juros, explícita ou implícita, por receber depois de 30, 40 dias.
As instituições financeiras ganham com venda do cartão, aluguel da maquineta, mais taxas e juros — os espetaculares juros de 300%.
Como é que os Procons e os institutos de defesa do consumidor podem achar que isso é bom para o consumidor?
A gente até nem estranha mais, mas é para reparar. Como é que o preço no cartão de crédito parcelado em dez vezes sem juros pode ser o mesmo que à vista?
É claro que tem juros e outros custos embutidos (aliás, aqui sim se trata de propaganda abusiva, porque enganosa). O comerciante não pode retirar esses custos no pagamento em dinheiro porque a lei não deixa, certo. Mais do que isso, porém, ele se vale da lei para ganhar mais nos juros e nas taxas, embora, em determinados momentos, seja muito melhor receber cash.
Resumindo, o comerciante ainda consegue se safar e até ganhar. A emissora de cartão ganha sempre. O consumidor? Está defendido pelo STJ, que se intitula o “Tribunal da Cidadania”.
Na prática, a decisão força o consumidor a usar o cartão de crédito — o que é claramente injusto com os mais pobres. Também força o comerciante a usar o sistema de cartão. Ele não pode, por exemplo, fazer uma espécie de competição e negociar taxas menores com o emissor do cartão, jogando com a possibilidade de dar preferência a outro sistema de pagamento.
Isso deve ser inconstitucional. Se duas pessoas combinam um preço, a modalidade de pagamento e fazem o negócio, o Estado não pode impedir isso.
Na verdade, por trás disso tudo está a cultura anticapitalista, esse entendimento tão disseminado na sociedade brasileira, segundo o qual o capitalista é, por si, um criminoso sempre pronto a roubar alguém. A partir daí, cria-se uma legislação que tolhe a liberdade econômica e impõe regras que, eliminando a concorrência, reservam o mercado para determinadas empresas. Acabam fazendo o pior tipo de capitalismo.
Aliás, é exatamente o caso da proibição do Uber. Reserva o mercado para alguns taxistas, aqueles que têm o alvará e o alugam ou negociam num mercado paralelo, ilegal e que só beneficia uma parte.
Carlos Alberto Sardenberg
Já por aí fica evidente que a situação real é exatamente o contrário do que decidiu o STJ: pagamento com cartão nunca é à vista. São custos e preços diferentes.
O comerciante também paga. Morre com taxas até pelo uso da maquineta. E as emissoras do cartão ainda se recusam a trabalhar com a mesma maquininha, impondo, aqui sim, um custo extra ao comerciante. Este paga também uma conta de juros, explícita ou implícita, por receber depois de 30, 40 dias.
As instituições financeiras ganham com venda do cartão, aluguel da maquineta, mais taxas e juros — os espetaculares juros de 300%.
Como é que os Procons e os institutos de defesa do consumidor podem achar que isso é bom para o consumidor?
A gente até nem estranha mais, mas é para reparar. Como é que o preço no cartão de crédito parcelado em dez vezes sem juros pode ser o mesmo que à vista?
É claro que tem juros e outros custos embutidos (aliás, aqui sim se trata de propaganda abusiva, porque enganosa). O comerciante não pode retirar esses custos no pagamento em dinheiro porque a lei não deixa, certo. Mais do que isso, porém, ele se vale da lei para ganhar mais nos juros e nas taxas, embora, em determinados momentos, seja muito melhor receber cash.
Resumindo, o comerciante ainda consegue se safar e até ganhar. A emissora de cartão ganha sempre. O consumidor? Está defendido pelo STJ, que se intitula o “Tribunal da Cidadania”.
Na prática, a decisão força o consumidor a usar o cartão de crédito — o que é claramente injusto com os mais pobres. Também força o comerciante a usar o sistema de cartão. Ele não pode, por exemplo, fazer uma espécie de competição e negociar taxas menores com o emissor do cartão, jogando com a possibilidade de dar preferência a outro sistema de pagamento.
Isso deve ser inconstitucional. Se duas pessoas combinam um preço, a modalidade de pagamento e fazem o negócio, o Estado não pode impedir isso.
Na verdade, por trás disso tudo está a cultura anticapitalista, esse entendimento tão disseminado na sociedade brasileira, segundo o qual o capitalista é, por si, um criminoso sempre pronto a roubar alguém. A partir daí, cria-se uma legislação que tolhe a liberdade econômica e impõe regras que, eliminando a concorrência, reservam o mercado para determinadas empresas. Acabam fazendo o pior tipo de capitalismo.
Aliás, é exatamente o caso da proibição do Uber. Reserva o mercado para alguns taxistas, aqueles que têm o alvará e o alugam ou negociam num mercado paralelo, ilegal e que só beneficia uma parte.
Carlos Alberto Sardenberg
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