sábado, 21 de novembro de 2015

Lula e D'Ávila: Metamorfose na Globo News

A montanha pariu um rato! Ou quase. Eis o sentimento (profissional e pessoalmente falando) deixado pela entrevista exclusiva do ex-presidente Lula, ao jornalista e ex-deputado constituinte Roberto D`Ávila, transmitida no começo da noite de quarta-feira, 18, pelo canal privado de televisão Globo News.

A meia hora de conversa gravada em São Paulo, na sede do Instituto Lula (o entrevistado achou o tempo curto e pediu mais, no ar, aos diretores da emissora, em meio ataques pesados à imprensa em geral e à cobertura diária dos escândalos e da crise do país na era PT em particular), foi o suficiente para o impacto do programa do ponto de vista jornalístico, político e do desnudamento de um mito em seus labirintos atuais, sem achar a saída salvadora.

Sob este ponto de vista, o programa foi quase impecável. Afinal, o apresentador é um notório conhecedor da literatura do País e do continente, hábil entrevistador de alguns de seus maiores nomes. Aprendeu como poucos a lançar iscas para pescar peixes grandes, que não resistem a um elogio ou um afago no ego desmesurado.


De terno e gravatas de grife, é verdade, mas, ainda assim, o Lula desta semana, no canal privado de TV, parecia muito um daqueles egocêntricos e tristes mandachuvas que povoam os romances de Garcia Márquez e de tantos outros autores notáveis do realismo fantástico na literatura da América Latina.

A conversa mostrou, na plenitude, a melancólica metamorfose de um "líder de resultados" (como o entrevistado gosta de ser considerado) a retirar, de público, uma a uma, praticamente todas as máscaras, peles e camuflagens sob as quais, frequentemente, tenta se esconder o antigo dirigente sindical de expressão global, ex-chefe da nação, criador do PT há 12 anos no poder, mentor da atual ocupante do Palácio do Planalto.

O entrevistado, mal (ou bem?) comparando, pareceu também, em certos momentos, um daqueles antigos prestidigitadores de rua – habituais, mas sempre surpreendentes nas praças e becos da Cidade da Bahia, onde Lula falou hoje, entre vaias e aplauss, nas comemorações do Dia da Consciência Negra - que esgotou o estoque de mágicas. Não consegue tirar do bolso da casaca nenhum truque novo. Até os bordões do tipo "nunca se viu antes na historia deste País" são repetitivos, óbvios, batidos. Cansam e irritam, em lugar de provocar a surpresa positiva e o riso de simpatia e apoio do passado.

O ar irritadiço do valente do tempo do "hoje eu não estou bom" gravado nas camisetas das lutas sindicais do ABC, não mais produz efeito favorável. Muito menos o "Lulinha paz e amor", de tantos palanques de campanhas eleitorais, funciona mais. Tais artifícios perderam força e substância, diante das graves e urgentes questões que cobram respostas verdadeiras, sérias, urgentes e sem os titubeios estranhos ou buracos que permearam a conversa na TV do começo ao fim: Mentiras da campanha para reeleger a companheira Dilma; tenebrosas transações expostas nas operações Lava Jato e Zelotes; sangria corrupta da Petrobras, tesoureiros, ex dirigentes, "velhos e bons amigos e aliados do PT", gente do círculo mais próximo do governo, na cadeia, sob investigação da P olícia Federal, ou já denunciados em processos judiciais.

Pouco restou de convincente nas respostas de Lula, salvo a ambição de dar prosseguimento ao mando petista nas eleições de 2018. A começar pelas frágeis negativas sobre manobras de bastidores para desgastar o governo da presidente Dilma (a afilhada que ele levou ao posto de mandatária maior do País), ou as articulações submersas para derrubar o ministro Joaquim Levy, da Fazenda, o estorvo maior do momento ao projeto de poder do entrevistado e do PT.

"É preciso comparar", ensina o garoto sueco Ingemar, sábio personagem do cultuado filme "Minha Vida de Cachorro", que de tempos em tempos recomendo neste espaço. Para isso é fundamental recorrer à ajuda da memória. Este bem precioso que dá significado à existência, mas cujo valor em geral só começamos à perceber, e a dar importância, quando começamos a perdê-la, como assinala o cineasta espanhol Luís Buñuel, no livro biográfico "Meu Último Suspiro", ao narrar sobre a amnésia de sua mãe com o passar dos anos, dolorosamente acentuada pelo mal de Alzheimer: "Chegou ao ponto de já não reconhecer seus filhos, não saber quem éramos nós, quem era ela", conta.

Mesmo no ambiente quase caseiro da conversa, o entrevistado parecia incomodado e tenso, agressivo, "armado" e atirando para todo lado, sem a pontaria de antes. Principalmente contra a imprensa e o amigo -inimigo preferencial de sempre, - o ex-colega de mando Fernando Henrique Cardoso. Sem reconhecer ninguém direito, nem os filhos, a deduzir pela resposta dúbia sobre as acusações da Operação Zelotes, que pesam sobre o caçula Luís Cláudio Lula da Silva. Sagacidade de mágico de rua, ou temor do futuro? Responda quem souber.

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