sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Uns trocados de propina

A multinacional japonesa Hitachi fechou um acordo de leniência com a agência reguladora do mercado de ações de Nova York, para encerrar uma investigação a respeito de “pagamentos impróprios” feitos ao Congresso Nacional Africano, o partido no governo da África do Sul.


Ora, é a pergunta imediata, por que o acordo se fez nos Estados Unidos? Porque a Hitachi tem ações negociadas em Wall Street e, por isso, se obriga a cumprir as regras locais de governança e compliance. A investigação também é das autoridades americanas. Na África do Sul, nada — aliás nem uma palavra sobre o acordo.

A história é a seguinte: a Hitachi abriu uma subsidiária na África do Sul, para operar no setor elétrico, e vendeu 25% do capital para uma companhia chamada Chancellor House. E sabem quem é o dono dessa firma de investimentos? O Congresso Nacional Africano. Isso mesmo, o partido do governo tem uma empresa de negócios.

Feita a sociedade, pela qual a Chancellor pagou menos de US$ 200 mil, em 2005, a Hitachi passou a ganhar concorrências para a construção de usinas de energia elétrica. Como os negócios foram bem-sucedidos — faturamento de US$ 5,6 bilhões —, a Hitachi fez vários pagamentos a seus sócios locais. O que se pode comprovar: US$ 5 milhões por conta de dividendos; e mais um milhão como “taxa de sucesso”, uma comissão.

Mas a investigação da agência americana nota que certamente ocorreram outros pagamentos a pessoas ligadas ao governo e ao partido. Salienta ainda a agência que os pagamentos foram disfarçados. Apareceram na contabilidade como pagamento de serviços de consultoria — serviços, entretanto, cuja prestação não foi comprovada.

A investigação apanhou e-mails de executivos da Hitachi justificando assim a sociedade com a Chancellor: “levamos em consideração a influência do Congresso Nacional Africano, o partido governista, e acreditamos que foi uma escolha correta”.

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Claro, todos já sabem por que estamos tratando desse assunto. As semelhanças com o caso Petrobras são evidentes até nos detalhes — as tais consultorias milionárias nunca demonstradas. Lembram-se dos contratos da JD para prospecção de negócios por aí? Sem contar as promíscuas relações entre a estatal, as empresas privadas contratadas e líderes políticos e seus partidos.

Por outro lado, o partido governista sul-africano parece mais sofisticado que o brasileiro. Montar uma empresa de investimentos facilita os negócios ilegais, que podem ser misturados no bolo de outras atividades.

A Hitachi não se declarou culpada, nem inocente. Faz parte do acordo de leniência. Aceitou os termos, recomprou os 25% da Chancellor House e topou pagar uma multa. Sabem de quanto?

US$ 19 milhões! US$ 19 milhõezinhos!

Só o Pedro Barusco ficou de devolver 97 milhões.

O “pagamento impróprio” da Hitachi é dinheiro de troco no caso petrolão. E aqui vai uma grande diferença: comparando essas histórias de corrupção pelo mundo afora, não resta dúvida que o caso Petrobras é o maior escândalo corporativo-político do mundo. As contas aqui são de bilhões.

Uma diferença a nosso favor: aqui tem a Lava-Jato pegando todo mundo, ou quase todo mundo até aqui. Na África do Sul, nada, nem uma investigação, nem uma palavra.

De todo modo, parece claro que a Petrobras e seus parceiros vão chegar na SEC — Security and Exchange Comission — a agência controladora do mercado de ações. Se a instituição se ocupou dos trocados da Hitachi...

A Petrobras está sendo processada num tribunal de Wall Street por investidores locais que perderam muito dinheiro com as ações da estatal. Agravante para a Petrobras: a empresa admitiu oficialmente, em balanço, que houve corrupção e má gestão.

Má gestão, em geral, dá acordo de leniência e multa, mais ou menos proporcional ao tamanho das perdas.
Corrupção dá cadeia.

A notar: a SEC já está se ocupando de outro caso brasileiro, fraudes na gestão do Postalis, fundo de pensão dos Correios, que, entre outras proezas, andou comprando papéis dos governos venezuelano e argentino. Neste caso, está envolvido um banco americano administrador de investimentos, o BNY Mellon, que afirma ter sido ludibriado e vítima das fraudes.

A apuração desses escândalos no Brasil ainda vai longe.

Carlos Alberto Sardenberg 

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