sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O povo paga pelo vício do governo


Com um orçamento altamente deficitário e com reduzidas possibilidades de equilibrá-lo mediante diminuição de gastos públicos e aumento da receita, o governo corre atrás de arrecadações extraordinárias para cobrir os rombos que criou. A bola da vez é a venda, em leilão, de 29 hidrelétricas cujas concessões não foram renovadas para seus antigos donos. Duas destas usinas situam-se no Paraná e eram operadas pela Copel. O objetivo do governo é arrecadar R$ 17 bilhões em “bonificações de outorga”, uma cobrança inédita em leilões desse setor. O dinheiro, no entanto, não será revertido para concretizar a promessa de implantar um sistema que garanta modicidade tarifária para o consumidor, mas tão somente para tapar o déficit orçamentário.

A história começou em 2012, quando a presidente Dilma Rousseff tirou da cartola um coelho que faria com que as tarifas de energia elétrica baixassem 20%. A mágica consistia em renovar antecipadamente as concessões de “usinas velhas” e fazê-las operar a custos mais baixos, já que os investimentos feitos para sua construção já tinham sido amortizados ao longo do tempo. E, de fato, sob aplauso dos consumidores, o preço caiu. Especialistas no assunto, no entanto, já alertavam: a mágica não daria certo porque a decisão importava numa radical mudança no modelo energético brasileiro – que, mal ou bem, dava conta do recado. E a fatura veio com força, especialmente quando rarearam as chuvas que alimentavam os reservatórios, forçando a ativação de termelétricas, que, além de “sujas”, produzem energia cara. O jeito foi elevar de novo as tarifas, em índices muito superiores aos da aplaudida redução de 20%. E os reajustes continuam vindo, para desespero dos consumidores.


Mas os planos do governo para as hidrelétricas não refletem apenas as consequências das canetadas de Dilma. Tão preocupante quanto a bagunça no setor elétrico é a bagunça nas contas públicas: 2015 é pelo menos o terceiro ano consecutivo em que o governo federal precisa recorrer a leilões para tentar fechar as contas. A dependência do que se convencionou chamar de “recurso extraordinário” está tão arraigada que já seria melhor retirar o prefixo “extra” da rubrica. O que deveria ser fora do comum tornou-se a regra.
Foi assim em 2013, quando a meta de superávit primário era de R$ 110,9 bilhões e a economia real do governo foi de R$ 91,3 bilhões. Desse valor, quase um terço era proveniente de receitas extraordinárias: o “Refis da crise” e o leilão do Campo de Libra, do pré-sal, renderam R$ 29,7 bilhões ao Tesouro Nacional. No ano passado, a história se repetiu: o governo lançou um “Refis da Copa” e, contra todas as recomendações, fez o leilão da frequência de 700 MHz para a telefonia 4G. 

O então secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, já dizia para quem quisesse ouvir que a licitação tinha de ocorrer em 2014 porque o governo precisava do dinheiro. No fim, foi tudo tão mal feito que o leilão se tornou um fiasco: os players estrangeiros não se interessaram, e até mesmo a Oi, uma das grandes operadoras brasileiras, não participou. Apenas quatro dos seis lotes foram arrematados, e pelo preço mínimo. Augustin queria R$ 8 bilhões e levou R$ 5,9 bilhões. Mesmo assim, o governo ainda teve de promover um golpe no apagar das luzes de 2014 para não descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, naquele lamentável episódio em que parlamentares foram chantageados por decreto, com a liberação de emendas condicionada à aprovação da gambiarra fiscal.

Ao contrário do que aconteceu com os 700 MHz, é até possível que o leilão de usinas tenha sucesso, pois a nova regra tende a atrair mais investidores, inclusive estrangeiros. As 29 usinas deveriam ser leiloadas entre investidores que se propusessem a fornecer energia pelo mais baixo preço possível, de modo a beneficiar o consumidor final. Agora, sairão vencedores os grupos que se comprometerem a produzir o megawatt a no máximo R$ 126 – preço muito superior aos R$ 17 fixados pelo consórcio que arrematou a hidrelétrica Três Irmãos, em São Paulo.

Esta alteração torna óbvio o novo objetivo do governo, que deixa de ser a prometida modicidade tarifária para se converter numa desesperada tentativa de arrecadar dinheiro extra. Tanto do ponto de vista do fornecimento de energia quanto no aspecto fiscal, quer-se tão somente corrigir um erro com outro e mais outro.

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