Na época do regime militar, tornaram-se famosas as notas oficiais das Forças Armadas alardeando que estavam “unidas e coesas” em torno dos ideais revolucionários. O pau cantava nos quartéis onde militares da linha dura e distensionistas se digladiavam para definir se endureciam mais ainda o regime ou se faziam um mínimo de abertura.
Para o consumo externo, oficiais de alta patente vendiam a imagem da união de propósitos. Diziam que as notícias de forte luta interna nos meios castrenses não passavam de fofocas e de intrigas insufladas pela subversão e por uma imprensa maledicente, interessadas em promover a cizânia no seio das gloriosas Forças Armadas.
Em um país de imprensa amordaçada, era essencial saber interpretar as entrelinhas dos comunicados militares, não deixar se iludir. Nas fotos do 7 de Setembro os três ministros militares apareciam no mesmo palanque para dar uma demonstração de sua unidade e patriotismo.
Neste 7 de Setembro a presidente da República e seu vice estiveram no mesmo palanque em Brasília para demonstrar o quanto estão “unidos e coesos”. Michel Temer foi mais longe: divulgou uma nota oficial para vociferar contra as “intrigas” e dar uma resposta dura a quem lhe chamou de golpista, acusando-o de conspirar contra Dilma Rousseff.
De novo, é preciso não se iludir pela foto meramente protocolar. E saber interpretar o texto de Temer. Sua afirmação de que trabalhará com Dilma até que 2018 os separe poderia ser entendida como tautológica. Mas não é. Ela é a própria confissão do fosso que há entre a presidente e o seu vice, a cada dia mais profundo.
Não se trata de atribuir incursões conspiratórias a ninguém. Mas é inegável que vivemos uma situação esdrúxula, para dizer o mínimo.
De um lado, temos uma presidente extremamente enfraquecida, quase clandestina, separada do povo por muralhas, até de metais como se viu no feriado; com uma base balcanizada e uma equipe ministerial semelhante à Torre de Babel. Cada ministro fala a própria língua e ninguém se entende.
De outro, nunca vimos um vice-presidente tão proativo, operando à revelia e com autonomia de sua superior hierárquica. Quanto mais Dilma se enfraquece, mais Michel Temer opera no limite da liturgia do seu cargo, apresentando-se como porta-voz do empresariado, como o avalista da estabilidade e da institucionalidade.
Ao mesmo tempo, Temer é semi-governista e semi-oposicionista, ainda que de uma oposição leal à sua majestade.
O vice-presidente ofusca a primeira mandatária. Constrói uma imagem antagônica à de Dilma. Está sempre na mídia de forma positiva, como o ponderado, como o construtor de pontes, com vistas a se viabilizar como polo aglutinador de um novo bloco de poder, para o pós-Dilma.
Já a presidente é aquela reclusa contraditória. Não pode, sequer, falar em rede nacional de TV, sob pena de ser alvo de imenso panelaço. E quando aparece na mídia é de forma negativa, tendo de praticar contorcionismos para explicar os ziguezagues de seu governo e o “pega pra capar” de sua equipe econômica.
Para desgraça de Dilma, seu vice é muito mais articulado do que boa parte dos políticos que a cercam. Em certo sentido, expressa a média do PMDB, essa espécie frente de caciques regionais. Tem ainda a simpatia das chamadas forças produtivas, particularmente da indústria paulista. Sabe fazer política, essa arte que não foi feita para amadores.
Pode ser o fator de desequilíbrio do jogo. É isto que a presidente mais teme, sem nenhum trocadilho com o nome do vice. Daí aceitar bailar com Michel Temer.
Nessa dança, ela engole sapo e ele estica a corda o máximo possível. Um finge que apoia o governo e a outra finge que acredita. O minueto caboclo tem tudo para acabar em divórcio, apesar das juras do casal de que estão unidos e coesos.
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