quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Órfâos de pai e mãe

É extensa, aliás, longuíssima, a fila de intelectuais, artistas, sindicalistas e lideranças e de movimentos sociais órfãos de pai e mãe, no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Como se já não fosse grande o bastante, a nau dos deserdados acaba de receber um reforço de peso: a Fundação Perseu Abramo, tentáculo do PT no mundo acadêmico. Em documento subscrito por mais seis entidades, a Fundação desancou a política “neoliberal” de Joaquim Levy. Mais um pouco chamaria Dilma de renegada.

De fato, a intelectualidade petista, ou o que dela restou, está em pé de guerra. O ex-porta-voz de Lula, André Singer, abriu suas baterias contra a atual política econômica, expondo as veias dilaceradas do PT. Segundo ele, em entrevista ao jornal O Globo, o partido de Lula vem sendo “obrigado a apoiar um programa de governo contra os trabalhadores”.

E isto em um “partido fundado para representar os trabalhadores e não para prejudicá-lo”. Ou dito de outra forma: segundo seus críticos de esquerda, a presidente deu as costas aos trabalhadores e faz um “movimento para recuperar a confiança da burguesia brasileira e do capitalismo internacional”.

Viver para crer.

As centrais sindicais também comungam desse sentimento de orfandade e divulgaram, nesta terça-feira, anúncio de uma página nos dois principais jornais de São Paulo para repudiar a fusão do Ministério do Trabalho e Emprego com o Ministério da Previdência. Pode ser que ela não aconteça, mas sua simples hipótese já é suficiente para fazer Getúlio Vargas, João Goulart e Brizola se revirarem em seus túmulos.

É neste terreno minado que a rainha vai largando seus filhos, um por um. Militantes com décadas e décadas na área da saúde são acometidos de intensa crise de urticária diante da possibilidade de a menina dos seus olhos, o Ministério da Saúde, cair nas mãos de um deputado como Manoel Júnior ou de outro parlamentar peemedebista do baixo clero e sem o mais leve compromisso com o Sistema Único de Saúde sacramentado pela Constituição-Cidadã de 1988.

Em nome da sobrevivência, tudo vale a pena, na ótica dilmista. Inclusive a degola sumária de antigos companheiros. O ministro da Saúde Arthur Chioro, petista histórico de intensa militância na área, foi demitido no melhor estilo vapt-vupt e por telefone. Não leva para casa sequer um muito obrigado da senhora presidente.

No rol dos sem pai e sem mãe estão também movimentos feministas e de direitos humanos e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, para não falar dos parlamentares petistas historicamente vinculados a esses setores. Isto explica, em boa medida, a diáspora petista, atualmente em curso.

O choro da esquerda abandonada tem explicação. Na época da fartura, o modelo adotado satisfazia a todos. Os beneficiários principais foram, claro, os empresários amigos do rei, ou da rainha, escolhidos a dedo para fazerem parte do seleto grupo de campeões.

Mas sobravam fatias menores para uma inclusão social não emancipadora e gordura suficiente para propiciar a cooptação de intelectuais, de centrais e de movimentos sociais. Esse modelo veio ao encontro de uma esquerda adepta, por tradição, da tutela do Estado e do paternalismo, marca que vem dos tempos de Getúlio Vargas, para não falar outras priscas eras.

Essa esquerda ignorou o quanto era insustentável o modelo. E fez vistas grossas aos desmandos éticos, pautando-se pelo velho e esfarrapado preceito de que “moral é o que serve à classe operária”.

Nesse particular os autores do documento da Fundação Perseu Abramo não fazem a menor restrição à conduta ética do PT. Muito ao contrário. Quando instado a dar sua opinião sobre a Operação Lava-Jato, um dos escribas saiu-se com a seguinte máxima: “Como filho de juiz, fico assustado com os procedimentos que estão sendo usados para torturar as pessoas e obter confissões”.

A farra do boi acabou. Não há mais como financiá-la. A própria presidente enterrou seu modelo, sem choro nem vela, na Assembleia da ONU. E, pelo jeito, foi a gota d’água para encher os potes de mágoa.

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