O projeto criminoso de poder acabou transformando a corrupção em algo natural. E o volume fabuloso de denúncias que horroriza a nação é visto positivamente, pois as denúncias estariam sendo apuradas. É inacreditável: em uma manobra orwelliana, o petrolão é definido como uma ação saneadora do Estado, e não como o maior desvio de recursos de uma empresa pública na história da humanidade. Seus asseclas — supostos intelectuais — buscaram algum tipo de justificativa. Como se no Brasil houvesse uma cultura da corrupção, um fator de longa duração. Erro crasso: imaginam que os brasileiros são à sua imagem e semelhança. Não são. Eles é que são corruptos — e nem precisam sair do armário. Já assumiram e faz tempo.
Cabe ressaltar que o movimento da História é surpreendente e imprevisível. No início de junho de 1992, quando a CPMI sobre as atividades de Paulo César Farias — denunciadas por Pedro Collor, irmão do presidente — estava iniciando seus trabalhos, o senador Fernando Henrique Cardoso fez questão de declarar que “impeachment é como bomba atômica, existe para não ser usado.” O deputado peemedebista Nélson Jobim foi enfático: “O Congresso não pode fazer uma CPI para investigar o presidente. Se vocês insistirem nisso, eu vou ao Supremo.” Mais cordato, mas não menos conciliador, o senador Marco Maciel (PFL-PE) declarou que a “CPI não vai produzir sequelas, pois as acusações foram feitas sem provas.” Líderes empresariais saíram em defesa do presidente. Emerson Kapaz, candidato a presidente da Fiesp, disse que as denúncias eram “uma grande irresponsabilidade. As pessoas precisam medir seus atos para não causar mais turbulência no Brasil, já tão afetado pela crise econômica.” E até juristas criticaram Pedro. Um deles, Celso Bastos, declarou que o irmão do presidente era de “um egoísmo elevado à última potência” e que ele “nunca pensou nos interesses da nação.” Quatro meses depois, Fernando Collor não era mais presidente do Brasil.
Hoje vivemos uma situação muito distinta em relação a 1992. Entre outros fatores, um é essencial: as ruas. Desta vez, são elas que estão impulsionando o Parlamento, e não o inverso, como naquele ano. O que ocorreu pelo Brasil, no dia 15 de março, é fato único na nossa história. Eu testemunhei dezenas de milhares de pessoas se manifestando em absoluta ordem na Avenida Paulista. Com indignação — e justa indignação — mas também com bom humor. Foi um reencontro com o Brasil. A auto-organização da sociedade civil é o novo, só não reconhece quem está comprometido com o projeto criminoso de poder — e são tantos que venderam suas consciências.
Esta será uma semana de muita tensão. E isto é bom para a democracia. Ruim é o silêncio ou o medo. As ruas voltaram a ser do povo, e não mais monopólio daqueles que têm ódio à democracia. Nós temos tudo para construir um grande país mas antes temos uma tarefa histórica: nos livrar dos corruptos. E sempre dentro da democracia, da lei e da ordem. São eles — e existem sim o nós e eles — que sempre desprezaram o Estado Democrático de Direito. Nunca é demais lembrar que o PT votou contra o texto final da Constituição.
Vivemos uma quadra histórica ímpar. Não é exagero que nós teremos muito a contar aos nossos filhos e netos. É aquele momento de decisão, de encruzilhada do destino nacional. Para onde vamos? Continuaremos a aceitar passivamente a destruição dos valores republicanos ou tomaremos uma atitude cívica, de acordo com bons momentos da nossa história?
Eles não passarão. E não passarão porque - paradoxalmente - uniram o Brasil contra eles. Ninguém aguenta mais. É hora de dar um passo adiante, de encurralar aqueles que transformaram o exercício de administração da coisa pública em negociata, em mercadoria. E deixar duas saídas: a renúncia ou o impeachment.
Marco Antonio Villa
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