quarta-feira, 11 de março de 2015

Um discurso para outro país e outro povo

Será exagero afirmar que foi um fracasso o pronunciamento da presidente Dilma na noite de domingo. Houve quem o entendesse e até aplaudisse. Mesmo assim, não se convenceu a maioria dos que assistiram as explicações da chefe do governo. Nenhuma pesquisa de vulto havia sido divulgada até a redação final destas linhas, mas está no ar que a gente respira a rejeição aos argumentos expostos por Madame. Acima e além dos buzinaços e panelaços verificados em todas as capitais e principais cidades, tem-se a impressão de um discurso feito para um país distante.

De início, não faltou a tradicional agressão aos meios de comunicação, quando disse que o noticiário mais confunde do que esclarece. Confunde quem, cara pálida? Depois, a falta de sintonia com a realidade pela afirmação de não haver crise, mas problemas conjunturais, diferentes do passado, quando quebravam o Brasil. Quebrados estamos, pois as medidas de ajuste do ministro Joaquim Levy, pelo contrário do que se ouviu, comprometem as conquistas anteriores. Aí estão a redução de direitos trabalhistas e a desoneração das folhas de pagamento das empresas, sem falar na elevação de impostos e de preços.

Nunca se comprovou que aumentos de impostos fossem temporários. Paciência e compreensão constituem produtos em falta nas prateleiras do cidadão comum. União de governo, Congresso e povo, uma ilusão. Chamar maldades de esforços é um eufemismo mas sua adoção não favorece as classes trabalhadoras e médias. Se a crise afetou os Estados Unidos, a Europa e o Japão, realmente já passou por lá, mas países em desenvolvimento, como o nosso, amargam suas conseqüências. Difícil aceitar que não temos crise financeira e cambial com o dólar passando dos 3 reais e o crédito sendo restringido. Como preservamos empregos se os índices revelam o contrário e os gêneros de primeira necessidade ficaram mais caros?

A presidente anunciou mudança de métodos, precisamente a razão da queda de sua popularidade. O controle dos gastos públicos atinge a educação, a saúde e a segurança. Se cada um deve fazer a sua parte, precisaria começar reduzindo o número de ministérios e dispensando parte dos 32 mil companheiros incrustados em cargos em comissão, com ênfase para as empresas estatais. Prometeu a normalização para o final do segundo semestre, sem saber se chegaremos ou se ela mesmo chegará lá. Suportáveis para quem serão essas “medidas de esforço”? Para as elites, por certo, já que o imposto sobre grandes fortunas continua sonho de noite de verão e a elevação do preços dos combustíveis, das tarifas de água e luz e dos transportes públicos tornou-se uma realidade.

O país não vai parar, porque já parou, e se coisas continuam a acontecer, será através da revelação dos escândalos na Petrobrás e outras estatais. Grandes obras arrastam-se e atropelam as promessas, como o desvio das águas do rio São Francisco. Melhor qualidade não há nos serviços de saúde e transportes. É preciso provar com fatos que os corruptos serão punidos e que a corrupção se interrompeu. Por fim, com todo respeito ao feminismo e às feministas, crime hediondo é o assassinato de qualquer ser humano, independente de sexo, raça ou cor.

Em suma, o discurso da presidente parece ter sido feito para outro país e outro povo.

Carlos Chagas 


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