sábado, 28 de fevereiro de 2015

O governo na defesa dos gatos gordos

A retórica do Planalto, do ministro da Justiça e da AGU embute uma ajuda às empreiteiras, driblando o MP
Quando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, trata das malfeitorias das empreiteiras e diz que “é preciso separar as pessoas das empresas”, pressupõe que milhões de dólares rolavam porque “pessoas” delinquiam. Ele acrescenta: “Temos que ter cuidado para não atentar contra a economia, contra o emprego e contra o bem-estar da sociedade.”

É a Doutrina Engevix. Em novembro, quando a Lava-Jato começou a cercar as empreiteiras, um de seus maganos anotou: “Janot e Teori sabem que não podem tomar a decisão. Pode parar o país.” Ou seja, o procurador-geral Rodrigo Janot e o ministro Teori Zavascki travariam o processo. Não travaram. Essa doutrina ecoa a tolerância com o tráfico de escravos no século XIX. A lei o proibia, mas, se fosse cumprida, as fazendas de café quebrariam. Com uma diferença: Dom Pedro II não recebia doações de negreiros.



Como o pulo do sapo de Guimarães Rosa, a balbúrdia de leis e siglas brasileira não é produto da boniteza, mas da precisão. Elas tecem uma rede de atalhos úteis para o andar de cima, inacessíveis ao andar de baixo


Trazendo a Doutrina Engevix para a vida real, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, defendeu a tese segundo a qual as empreiteiras podem negociar acordos de leniência com a Controladoria-Geral da União, um órgão do aparelho do Executivo. Sua argumentação parte da constatação de que há no Brasil uma “especifidade”, a “sobreposição” de órgãos e leis. De fato, para caçar larápios, há uma sopa de letras (CGU, TCU, CVM, Cade, MP) e de números de leis (2.864, 8.429, 8.433). Deu no que deu.

Na sua exposição, Adams ofendeu os fatos. Disse o seguinte: “No caso americano, quem faz os acordos é a SEC, que é o nosso correspondente à Comissão de Valores Imobiliários.” Nem pensar. Os acordos que a SEC faz, como os da CVM, são pontuais, quando não há processo penal. O ex-diretor financeiro da Petrobras fechou sete acordos com a CVM, no valor de R$ 1,75 milhão, desembolsados pela seguradora da empresa. Num deles estava o “amigo Paulinho”. Deu no que deu.

Leia mais o artigo de Elio Gaspari

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