sexta-feira, 19 de setembro de 2025

O Congresso e o teatro do absurdo

Uma cena estarrecedora no Congresso Nacional. Deputados orando de mãos dadas, aos gritos, após aprovarem a PEC que os blinda de punições por qualquer crime. Qualquer um. Estupro, assassinato, corrupção. Estamos diante de uma das piores encenações do Congresso Nacional. É o teatro do absurdo em ação.

“Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. E não nos deixeis cair em tentação. Mas livrai-nos do mal. Améééém”. Gargalhadas.

Sempre achamos que já vimos tudo de hipocrisia e cinismo no nosso Congresso. Mas nos enganamos. É um escárnio o presidente da Câmara, Hugo Motta, com aquele cabelo engomadinho esticado para trás, dizer que a PEC da Bandidagem “fortalece a atividade parlamentar”.


Outra declaração pra lá de cínica: “ajuda a pacificar a sociedade” a urgência da anistia para os golpistas de 8 de janeiro, já condenados pelo STF. Seria cômico se não fosse trágico. “O Brasil precisa de pacificação. Não se trata de apagar o passado (...) mas o país precisa andar”.

Andar pra trás. Até a senadora Damares Alves, colega de Motta no Republicanos, e ministra “terrivelmente cristã” no governo Bolsonaro, é contra a PEC da Blindagem. Meu Deus, pela primeira vez uma fala de Damares faz total sentido. A senadora que viu Jesus na goiabeira teve um acesso de lucidez.

“Essa PEC será recepcionada pela sociedade com muito horror”, disse Damares. “Imagine um parlamentar acusado de pedofilia, a minha causa. E para que um inquérito seja aberto contra ele, a gente é que vai decidir? No voto secreto? Ah não... é só questão de improbidade. Não, será todo um rol de crimes”.

PEC da bandidagem aprovada com louvor a Deus. Voto secreto. Para autorizar ou barrar investigações de coleguinhas, pois covardes são todos. Votação de anistia para os golpistas vândalos do Congresso e do Supremo, incitados por Bolsonaro e generais. Tudo madrugada adentro. Brigalhada por privilégios deixa aceso o bando de preguiçosos de terno e gravata.

Manobra para manter o mandato de um deputado que se autoexilou nos EUA para conspirar contra o Brasil. Aliás, como explicar para o eleitor que um líder da minoria na Câmara pode faltar à vontade e receber fora do país sua gorda remuneração como parlamentar – mas um deputado não?

Se os nobres deputados empregassem um centésimo dessa energia votando pautas que interessam à população, a Câmara estaria no caminho certo. Mas o que vemos é uma casta já privilegiada legislando freneticamente e sem pudor pela própria impunidade. Dá vergonha alheia. E sensação de impotência.

Claro que esses votos na Câmara podem ser revertidos pelo Senado de Davi Alcolumbre, hoje o maior acossado do Congresso. Claro que há etapas e obstáculos à frente do rolo compressor comandado pelo Centrão. O grande responsável pelo país não andar é o tíbio Hugo Motta. O Brasil espera não Godot, mas Alcolumbre. Será em vão?

O porquê de associar nosso Congresso ao Teatro do Absurdo é claro. Esse movimento teatral, surgido após a Segunda Guerra, expressava a desolação, a falta de sentido e a dificuldade de comunicação da humanidade. O crítico Martin Esslin cunhou assim peças que usam situações ilógicas para refletir sobre a condição humana.

A Câmara se tornou o palco do absurdo, dando inveja a Beckett, Ionesco e Jean Genet. E nós? Espectadores indignados, mas passivos, nos limitando a abaixo-assinados digitais, enquanto o mundo protesta nas ruas.

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