Ele sugeriu que um grupo de manifestantes que gritaram com ele em um restaurante fosse processado sob as leis que visam a mafiosos. Exigiu que vários comediantes de programas noturnos que zombavam dele fossem retirados do ar. Ameaçou fechar emissoras de televisão que considerasse injustas com ele. Processou o New York Times por supostamente prejudicar sua reputação. E isso foi só na semana passada.
Ao ameaçar tomar medidas governamentais contra aqueles que o irritam, Trump consegue ser surpreendentemente transparente sobre o que o motiva. Ele fala regularmente sobre como jornalistas, comentaristas e atores políticos não deveriam ter "permissão" para serem tão duros com ele. Tendo nomeado um aliado partidário para comandar o FBI, ele reflete abertamente sobre quais críticos políticos gostaria de ver investigados.
Trump não é o único presidente a se irritar com a oposição ou com a cobertura jornalística, nem o primeiro a tentar punir aqueles que o irritaram. Mas, nos tempos modernos, nenhum presidente chegou tão longe no uso de seu poder para pressionar figuras da mídia e oponentes políticos, dizem historiadores.
Ao final de uma semana dominada por um acirrado debate nacional sobre a liberdade de expressão, após o assassinato do ativista conservador Charlie Kirk, Trump resumiu sua opinião na sexta-feira com um comentário que teria sido chocante se feito por qualquer presidente anterior.
—Eles pegam uma ótima história e a transformam em algo ruim — disse ele a repórteres no Salão Oval, referindo-se aos noticiários da rede. — Vejam, eu acho que isso é realmente ilegal.
As explosões do presidente minam as justificativas apresentadas por seus próprios assessores. A secretária de Justiça, Pam Bondi, que inicialmente alegou ter o direito de investigar empresas que se recusaram a imprimir cartazes em memória de Kirk, posteriormente enfatizou que o governo está focado em discursos de ódio que ultrapassam os limites das ameaças de violência. Brendan Carr, presidente da Comissão Federal de Comunicações (FCC), argumentou que muitas emissoras têm um viés progressista e não atendem aos padrões da agência para atender ao interesse público.
Na semana passada, Carr ameaçou impor consequências caso a rede ABC não tomasse medidas contra o apresentador Jimmy Kimmel, de um programa noturno, por seu comentário de que "a gangue MAGA" estava tentando caracterizar o suspeito do assassinato de Kirk "como algo diferente de um deles". O comentário era factualmente incorreto, argumentou o presidente da FCC, e parte de um "esforço conjunto para mentir para o povo americano". A Disney, dona da ABC, concordou e suspendeu o programa de Kimmel.
Mas Trump então deixou claro que tem um objetivo mais amplo e pessoal.
Em uma publicação nas redes sociais, o presidente comemorou a remoção de Kimmel e exigiu que outros dois apresentadores de programas noturnos, Jimmy Fallon e Seth Meyers, tivessem destino semelhante. "Isso deixa Jimmy e Seth, dois completos perdedores, na NBC de Fake News", escreveu o presidente. "A audiência deles também é horrível. Façam isso, NBC!!!"
Thomas Berry, diretor do Centro Robert A. Levy de Estudos Constitucionais do Instituto Cato, de cunho libertário, disse que o presidente refutou efetivamente a tentativa de Carr de sustentar que punir a ABC pela declaração de Kimmel seria uma aplicação justa e neutra das diretrizes da FCC.
"Isso dá continuidade ao padrão de Trump ser o pior inimigo de seus próprios advogados com suas declarações públicas", disse Berry. "Enquanto Carr se concentrou na suposta falsidade da declaração, Trump simplesmente admite que quer que a FCC persiga emissoras que não são amigáveis a ele."
Questionada sobre as justificativas absurdas apresentadas por Trump e funcionários do governo, Abigail Jackson, porta-voz da Casa Branca, disse:
— O presidente Trump é um forte defensor da liberdade de expressão e está certo, as emissoras licenciadas pela FCC há muito tempo são obrigadas a seguir padrões básicos.
Trump volta a ameaçar licenças de transmissão da NBC e ABC por cobertura 'injusta'.
Ela acrescentou que "o governo Biden, na verdade, atacou a liberdade de expressão ao exigir que as empresas de mídia social removessem as postagens dos americanos".
O vice-presidente JD Vance também apontou as alegações de censura apresentadas contra o presidente Joe Biden para defender as ações do governo Trump. "A reclamação da esquerda sobre a 'liberdade de expressão' após os anos Biden não engana ninguém", escreveu ele nas redes sociais na sexta-feira.
O governo Biden instou as empresas de mídia social a impedirem a proliferação do que considerou desinformação sobre a Covid-19. Os republicanos alegaram que isso equivalia a uma coerção inconstitucional para censurar opiniões impopulares, e um juiz emitiu uma liminar, mas a Suprema Corte rejeitou a contestação, alegando que os autores não tinham legitimidade para processar.
Outros presidentes buscaram pressionar as organizações de notícias de maneiras menos expansivas. O presidente Richard Nixon tentou bloquear a publicação dos Documentos do Pentágono, que detalhavam as falhas do governo americano na Guerra do Vietnã, e seus aliados contestaram as licenças das emissoras de televisão de propriedade do editor do Washington Post, cuja cobertura do caso Watergate o enfureceu.
A Casa Branca do presidente George W. Bush excluiu o Times do plano do vice-presidente Dick Cheney de dar um tempo, por desgosto com uma matéria. O governo do presidente Barack Obama conduziu mais investigações de vazamentos do que todos os seus antecessores juntos e certa vez tentou excluir a Fox News de uma entrevista conjunta para repórteres de televisão, apenas para recuar quando outras redes protestaram.
Mas a campanha de Trump contra os meios de comunicação foi muito além da de seus antecessores modernos, tomando forma muito antes do assassinato de Kirk. Mesmo antes de seu último processo contra o Times, ele processou a ABC, a CBS e o The Wall Street Journal. Cortei o financiamento federal para a PBS e a NPR. Ele agiu para desmantelar emissoras governamentais, incluindo a Voz da América, a Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, a Rádio Martí, a Rádio Ásia Livre e a Middle East Broadcasting Networks.
Ele expulsou a Associated Press do grupo de imprensa da Casa Branca porque ela se recusou a chamar o Golfo do México de "Golfo da América". E a Casa Branca assumiu o controle total do grupo de imprensa, determinando quais organizações de notícias teriam permissão para entrar no Salão Oval ou no Força Aérea Um para fazer perguntas, algo que nenhum outro presidente tentou.
A semana passada trouxe mais exemplos. Na segunda-feira, Trump disse que havia pedido a Bondi que considerasse "abrir processos RICO contra" os manifestantes que gritaram com ele no restaurante, referindo-se ao estatuto de extorsão usado para processar a Máfia.
Na terça-feira, Trump explodiu com Jonathan Karl, da ABC News, por perguntar sobre o plano de Bondi de combater o "discurso de ódio". Ela "provavelmente iria atrás de pessoas como você", ele retrucou, "porque você me trata tão injustamente". Quando Karl retomou o assunto no Salão Oval na sexta-feira, Trump o repreendeu novamente.
— Você é culpado, Jon — disse ele.
Durante seu voo de volta de Londres na noite de quinta-feira, Trump disse a repórteres no Air Force One que seu governo deveria restringir as emissoras que transmitissem coberturas excessivamente negativas em relação a ele.
— Eu acho que talvez a licença deles devesse ser retirada — disse ele.
Indagado se realmente achava que os manifestantes do restaurante deveriam ir para a cadeia, ele redobrou a aposta.
— Quando você observa a maneira como eles agiram, a maneira como se comportaram, sim, acho que eles eram uma ameaça — disse o presidente.

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