Quem diria que, em 2025, apenas cogitar entrar naquele país já significa abrir mão de dez direitos e renunciar a cinco liberdades fundamentais? E que, se conseguir atravessar a fronteira —ou, sendo residente, decidir permanecer—, a pessoa terá de aceitar uma perda substancial em praticamente todos os direitos que lhe conferem as constituições liberal-democráticas.
O sujeito acorda em solo americano e lá se foram alguns de seus direitos individuais, pois o primeiro artigo da nova constituição afirma que Trump é o Estado e é ele quem decide sobre o que se pode falar e qual opinião se deve ter. Seus direitos sociais, inclusive os econômicos, tampouco permanecem intactos, porque é o Estado quem determina com quem se negocia, a que taxas e com quais produtos.
Nem preciso falar dos direitos de terceira geração —ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente—, porque esses encontram hoje no governo americano o seu principal antagonista em nível global. Basta acreditar neles para ser considerado antiamericano.
A justiça internacional virou anedota, já que o segundo artigo da constituição trumpista estabelece que as leis dos Estados Unidos, interpretadas exclusivamente pelo governo, se sobrepõem a quaisquer normas nacionais ou decisões de organismos multilaterais.
Se o presidente (vamos chamá-lo assim por falta de um título mais excelso) decide que perpetradores de crimes contra o Estado de Direito devem ser considerados democratas —como o húngaro Antal Rogán—, enquanto democratas são violadores de direitos humanos, não pode ser contestado. Basta um ato de Trump e tiranos viram democratas e democratas, déspotas —justificações não são necessárias, o presidente não deve explicações.
Em poucas semanas, juízes do Tribunal Penal Internacional e da Suprema Corte do Brasil —que ousaram julgar genocidas ou golpistas sob a proteção do presidente— foram eles próprios julgados e condenados no único tribunal que realmente conta na galáxia: o arbítrio de Trump. Netanyahu e Bolsonaro são uns santos, os juízes que os julgam, monstros.
Decisão inquestionável, sanções imediatas. E só uma pessoa no planeta pode arbitrar a dosimetria. Imaginem quem.
Todos os condenados estão sujeitos às únicas leis que agora valem incondicionalmente para todos os cidadãos do planeta. Da decisão não cabe recurso; ao contrário, qualquer reação é tratada como agravante. O caso das tarifas ilustra bem: anuncia-se 50%. "Mas, se o país reagir, aumentarei para 100%, 1.000%, até onde eu quiser."
O mesmo vale para quem ousar desafiar o édito que transforma um tribunal ou indivíduo em pária do sistema financeiro: quem oferecer guarida a um "criminoso" segundo a lei de Trump será severamente punido. O braço longo da lei americana alcançará o dissidente, sua família e seus amigos onde quer que estejam. Fronteiras, magistrados e leis nacionais não bastarão para poupá-los. O mundo inteiro vive sob a regra infantil de mãe de chinelo na mão ameaçando: "Se correr é pior".
De longe, o mais grave é a constatação de que, pela primeira vez em 80 anos, no clube das três superpotências não resta uma democracia funcional. E isso altera um equilíbrio delicado, mas essencial, que desde 1945 permitiu que as democracias prosperassem.
Mudanças eram esperadas, mas em outra direção. Muitos apostaram na democratização da Rússia após o esfacelamento da União Soviética. Outros acreditaram que a economia de mercado, dominada com eficiência pela China, suavizaria sua ditadura. Nada disso ocorreu.
O inesperado foi a "desdemocratização" dos Estados Unidos —e a velocidade vertiginosa com que a erosão avançou, sem encontrar resistências, num país repleto de instituições criadas justamente para conter o absolutismo. Em outras palavras: ninguém esperava ver os Estados Unidos transformados naquilo que, por oito décadas, sua retórica denunciou como características dos "regimes inimigos da liberdade".
É daí que surgem os paradoxos do presente. De repente, um regime liberticida como a China parece a fada sensata diante do caos produzido por Trump nas relações internacionais. E até Putin, sanguinário e perigoso, que "apenas" deseja anexar um vizinho, parece menos ameaçador por deter uma fração mínima do poder do americano.

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