A liberdade vai escasseando. E quase ninguém dá por isso. O espaço está mais estreito, mas nós vamo-nos encolhendo e achamos que continuamos a caber. Pior: convencem-nos de que a liberdade é um problema. A liberdade é tão elástica que pode ser usada pelos seus próprios inimigos. E eles não têm problemas nenhuns em usá-la para nos privarem dela.
Quando ouvirem alguém dizer que “agora já não se pode dizer nada”, saibam que é um inimigo da liberdade que o diz. Porque esse tempo antes deste “agora” era o momento em que muito poucos tinham toda a liberdade de esmagar todos os outros debaixo da repressão e da censura. O que antes se podia dizer, continua a ser dito, porque a liberdade também é isso. A diferença – e é isso que eles não suportam – é que agora o que dizem podem ser desdito, contraditado, questionado. Podem dizer tudo o que quiserem, deixaram foi de poder calar os outros.
A liberdade não funciona no vazio. Ela precisa de estruturas, feitas de leis que protejam os mais fracos, de uma igualdade material que a sustente. Não há liberdade a sério quando se tem a barriga vazia e se está à mercê de quem tem tudo e faz as regras.
Não se é livre sozinho. A liberdade constrói-se em comum, numa sociedade em que os direitos são respeitados e os mais fracos protegidos. Não há liberdade a sério quando é cada um por si e ganha o mais forte.
Os libertários são inimigos da liberdade. São os que a querem só para eles, sem limites, nem freios, porque se acham mais fortes do que todos os outros e querem usar essa posição de domínio para crescer esmagando os que ficarem por baixo.
Precisamos de falar de liberdade. Precisamos de nos lembrar do que é não a ter, precisamos de ver como ela está a desaparecer, deixando-nos as mãos mais atadas e as bocas caladas. Precisamos de saber que a liberdade não é só festa, é luta. E que não basta andar com um cravo na lapela e descer a avenida, se no dia a seguir nos calamos e encolhemos e fechamos os olhos às injustiças e deixamos que os novos donos da liberdade a vendam como flexibilidade, precariedade e competição pura.
O 25 de Abril é o dia da liberdade porque foi a revolução que nos trouxe “a paz, o pão, habitação, saúde, educação”. Precisamos de voltar a cantar essa canção do Sérgio Godinho, porque está tudo lá. Não para celebrar o passado, mas para construir o futuro.
O 25 de Abril já aconteceu, mas ainda está a acontecer, se tivermos a força de nos agarrarmos a essa liberdade. O 25 de Abril é um dia que ainda não veio, que é preciso construir todos os dias. Porque a democracia e a liberdade nunca acabam de se fazer, a não ser quando morrem.
Aos que acham que está tudo feito, aos que se agarram ao passado, aos que acreditam que antes é que era bom ou que a revolução é só uma coisa ultrapassada, aos que fingem que não aconteceu nada, aos que sentem saudades do que foi ou do que podia ter sido, aos que chegaram agora e não sabem nada porque vêm com a ignorância de quem não precisou de aprender tudo da maneira mais difícil, aos que acham graça aos desfiles e usam cravos como adereços de moda vazios, aos que fazem comércio e aos que fazem escárnio. A todos esses precisamos de falar de liberdade, da liberdade a sério, construída em luta e festa, feita com todos e para todos, mesmo para os que não gostam dela, para que até esses possam dizer o que querem e que não lhes falte a saúde, a educação e a habitação quando o azar lhes bater à porta e descobrirem que, afinal, a liberdade não é um substantivo individual, mas só é plena quando se escreve no coletivo.

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