Trata-se apenas de um mote para lembrar de como morremos aos montes de doenças e barbaridades antigas, estúpidas, evitáveis e ignoradas. De homicídio, morriam 117 por dia em 2022. Devem ter sido 110 em 2023, na projeção do Ministério da Justiça. Mesmo assim, o Brasil ainda estaria perto do topo do ranking mundial da morte, de taxa de homicídio.
Morremos de doenças causadas pelo HIV: 31 por dia em 2022. De doença de chagas, aquela causada por um parasita carregado pelo barbeiro: 11 por dia.
É um lembrete conveniente para este início de ano do que, para católicos e simpatizantes, um dia foi o começo de um período especial de reflexão e introspecção, a Quaresma. Agora, o Carnaval nem acaba, propriamente.
No último mês, morreram POR DIA 31 pessoas de Covid no Brasil. É a média das quatro semanas epidemiológicas contadas até 3 de fevereiro, dados do Ministério da Saúde. Nas últimas 52 semanas, um ano, morreram 12.844.
Em 2023, se foram 1.094 pessoas por causa de dengue. Foi o maior morticínio causado pela doença desde ao menos 2000. Em 2024, até 12 de fevereiro, atualização oficial mais recente, eram 75 os mortos de dengue. Até dia 3 de fevereiro, a Covid levou 963.
As doenças são muito diferentes, claro, embora se difundam por causa do nosso primitivismo geral. Isso quer dizer também: por causa de ignorância, que é a vontade de não saber, de não se informar e de ter "opiniões". Por causa do nosso individualismo obsessivo, selvagem; da avacalhação; da opressão da miséria.
Muita gente ainda não se vacinou contra o coronavírus. Muita gente ainda oferece criadouros para o Aedes aegypti: água parada. Muita cidade gasta milhão com show de música e não tira o lixo e os focos de Aedes. O óbvio.
A Covid está sendo esquecida em parte por um motivo cruel e desumano, evidente já no pior da epidemia: leva os mais velhos, os já mais doentes, o que aliás era um tema da propaganda necrófila do governo das trevas, 2019-22. Mais de 80% dos mortos deste ano tinha 60 anos ou mais. A dengue manda mais para o hospital crianças de 10 a 14 anos, dizem as autoridades. Por isso, receberiam primeiro as vacinas escassas.
Não esquecemos apenas da Covid.
Quando criança, no auge da ditadura militar, lia impressionado que pessoas morriam de doença de Chagas, ou de esquistossomose e padeciam de cisticercose. O livrinho escolar ilustrava o assunto com pessoas com cara de Jeca Tatu vivendo em uma tapera de barro. A propaganda da ditadura dizia que o "progresso" nos livrava daquele "atraso", enquanto ocorria um surto censurado de meningite. Os militares nunca decepcionam.
Pois então. Em 2022, dado mais recente disponível, morreram 4.028 pessoas de doença de Chagas, quase o quádruplo das vítimas da dengue naquele ano (segundo o Datasus). Morre uma pessoa por dia de esquistossomose, ao menos. Etc.
Afora micropaíses e ilhas de América Central e Caribe, a taxa de homicídio no Brasil apenas é menor do que a de África do Sul, Venezuela, México, Mianmar e Equador; meio que empatamos com a Colômbia. Os dados são os compilados pelo Escritório das Nações Unidas (ONU) sobre Drogas e Crime, mas as fontes são diversas e um tanto imprecisas.
Como um país antidesenvolvimento autêntico (subdesenvolvido é eufemismo), nos acostumamos a males novos sem lidarmos com os antigos. Não nos preocupamos com essa sempiterna acumulação primitiva, por assim dizer, de deseducação, desigualdade, ineficiência e desumanidade.
Era só para lembrar.
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